Críticas


CONSTANTINE

De: FRANCIS LAWRENCE
Com: KEANU REEVES, RACHEL WEISZ, SHIA LABEOUF
11.03.2005
Por Rodrigo Fonseca
DESCARADAMENTE COMERCIAL, MAS E DAÍ?

Apesar das tentativas incessantes do cinema de horror em esmiuçar o perfil do Diabo, é arriscado chutar quais são as preferências do Senhor das Trevas. Do que ele deve gostar? De meninas ou meninos? De rolinho primavera ou sashimi? De Prince ou do Michael Jackson? Caso ele seja conterrâneo de Deus - que de acordo com sua santidade o Papa, João Ubaldo Ribeiro e Cacá Diegues, tem nacionalidade brasileira -, torceria ele pelo Flamengo, pela sempre imbatível seleção tricolor das Laranjeiras ou pelo América, como acreditam os torcedores do time do Andaraí? Complicado afirmar. Só uma de suas predileções parece clara, pelo menos de acordo com filmes como Constantine, que aterrissa nos cinemas brasileiros depois de gerar muita expectativa nos leitores de gibi. Pelo que atesta o longa-metragem do estreante Francis Lawrence, o Coisa-Ruim tem uma quedinha pela raça humana. E, entre degustar uma asinha de anjo frita e salvar o traseiro de um pecador inveterado da frigideira infernal, ele fecha com a primeira opção, para impedir o ocaso dos primatas falantes.



Falar do delicioso Lúcifer, vivido por Peter Stormare, que fecha com elegância o debute de Lawrence atrás das câmeras, é apenas uma das maneiras de se desfiar o rosário estético de Constantine. Há muitas outras. Reclamar do nó narrativo que arrasta pelo menos uns 20 minutos da fita num lenga-lenga familiar de personagens coadjuvantes é a primeira delas – para o bem do leitor. Há também uns clichezões de roteiro aqui e acolá – como um taxista molequinho que ajuda o anti-herói do título, chupado de um arquétipo de personagem pano de fundo muito comum no cinema de ação. Mas de resto o que se deve fazer em relação a esta superprodução da Warner Bros é provar que mesmo quem nunca leu um quadrinho na vida pode sair da sala escura com a sensação de que seus preciosos reais foram mais do que bem gastos. E, oxalá, um leigo de bom coração que tenha saído satisfeito ao fim da sessão pode até resolver tirar o atraso buscando as HQs do bruxo John Constantine numa gibiteria qualquer da cidade.



Em linhas gerais, Constantine fala da relação de uma lança perdida (a que furou o abdômen de Jesus Cristo durante a crucificação) e do suicídio da irmã gêmea de uma bela policial, vivida por Rachel Weisz. O tal mocinho do título entra nesse samba de orixá doido para unir lê com crê e ensinar às platéias que o anjo Gabriel é culpado por boa parte das mazelas do nosso dia-a-dia. Ah, quem vive o angelical vilão é a atriz Tilda Swinton, arrebatadoramente má, em um andrógino look a la David Bowie.





Estrelado por um Keanu Reeves feliz como pinto no lixo de estar de volta ao reino da fantasia, familiar a ele desde Matrix, o thriller sobrenatural Constantine tem seu embrião em um arco de histórias escritas pelo roteirista irlandês Garth Ennis para a revista Hellblazer. O título, que saiu no Brasil pelas editoras Abril (de 1995 a 1996) e pela Brainstore (até recentemente), virou o lar de um feiticeiro criado pelo genial Alan Moore nos idos de 1985. Seu modelo não é um moreno com feição blasé como Reeves mas um louro fleumático como o cantor Sting. Aliás, esta semelhança com o ex-The Police já rendeu vários chistes divertidos nas historietas protagonizadas por Constantine. Mas que sentido faria ela na versão tela grande de Hellblazer?



É esse quesito o que pôs em xeque, nos EUA, a cobrança prévia dos fãs pela escolha de Reeves. Além dela, as queixas contra as discrepâncias entre as características profissionais de Constantine (seus dons mágicos mirabolantes e seu uso de armas míticas) também cai por terra quando o diretor Francis Lawrence provou não ter transformado o cínico mandingueiro bretão em um caça-fantasma. Não por acaso, o filme disparou nas bilheterias em sua semana de estréia, alcançando cerca de US$ 60 milhões em menos de 20 dias. Se não está melhor das pernas é porque o ritmo um tanto travado da montagem de Wayne Wahrman (o mesmo de A Arma Perfeita) dispersa olhares. Mas seu êxito mediano serviu para: a) garantir desde já uma seqüência, prevista para 2007; b) quebrar o tabu da inadequação física entre atores e heróis de quadrinhos. E daí que Keanu seja diferente do Constantine de papel?



Avaliando cinematograficamente há um roteiro bem azeitado, boas atuações, seqüências de ação vertiginosas e bastante criatividade na concepção cenográfica. Fora que, por mérito do fotógrafo francês Phillipe Rousselot (mesmo de A Rainha Margot) não há um plano sequer em cena que canse a vista ou compromete a atenção, uma vez que as cores foram “cozidas” com requinte e sobriedade evitando jogos de sombras repetitivos ou chiaroscuros desnecessários. Com tudo isso, não há como não encontrar adjetivos que justifiquem a ida à sala escura.



A propaganda antitabagista que perpassa toda o filme feito uma flecha de bom-mocismo é um tanto quanto irritante, mas tem seu valor prático. Até porque Keanu não deixa o bonde descarrilhar para o risível, carregando seu tipo de ácida ironia. E quando Stormare entra em cena, percebe-se o quanto uma boa atuação faz diferença em um espetáculo audiovisual descaradamente comercial, mas muito bem feito.



# CONSTANTINE

EUA, 2005

Direção: FRANCIS LAWRENCE

Roteiro: KEVIN BRODBIN e FRANK CAPPELLO

Fotografia: PHILIPPE ROUSSELOT

Elenco: KEANU REEVES, RACHEL WEISZ, SHIA LABEOUF, DJIMON HOUNSOU

Duração: 121 min.

site: http://constantinemovie.warnerbros.com/



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