Críticas


CHICO – ARTISTA BRASILEIRO

De: MIGUEL FARIA JR.
Com: CHICO BUARQUE, MIUCHA, HUGO CARVANA
01.12.2015
Por Luiz Fernando Gallego
O maior trunfo do filme é ouvirmos o próprio compositor e escritor falar sobre ele mesmo.

Dez anos depois de seu documentário musical sobre Vinicius de Moraes, o diretor Miguel Faria Jr. dedicou-se a deixar Chico Buarque de Hollanda falar sobre si próprio no que talvez seja o maior trunfo deste filme: ouvirmos o próprio compositor e escritor falar sobre ele mesmo.

Como no doc sobre Vinicius, há alguns (bem menos) números musicais encenados especialmente para o filme, dentre os quais se destacam, entre outros, “Mar e Lua”, por Monica Salmaso, “Mambembe”, por Moyseis Marques, "Estação Drradeira", por Péricles, e - especialmente -“Sabiá” pela cantora portuguesa Carminho. Dentre os momentos menos felizes de cantoria, o overacting de Ney Matogrosso totalmente inadequado à canção “Vitrines” que ele canta se-pa-ran-do bem as sí-la-bas (lembrando uma fase questionável de Elis Regina).

O filme chega em um momento em que Chico perdeu a unanimidade que já lhe foi favorável durante décadas – mas isso vem acontecendo por motivos nem sempre musicais: embora ele diga no doc que esteja participando menos politicamente desde nossa redemocratização, seu apoio público a uma presidente com baixíssimo índice de popularidade e ao partido dela em péssimo momento junto à maioria da população tem provocado um julgamento sumário desfavorável ao homem Chico Buarque nos “tribunais” das redes sociais por parte de gente decepcionada com aqueles aos quais Chico permanece fiel, não separando a pessoa física e suas opiniões do compositor genial que já nos deu tantos momentos de grandeza artística. Ironicamente, ele parece ignorar mais recentes e atuais “tenebrosas tentações” que denunciou nos estertores da ditadura militar.

Também se mostra polêmico - e algo populista - quando diz que a Bossa Nova foi movimento de uma elite (claro que foi, sim, mas também tocava bastante nas rádios da época) – elite que, diz ele, ditava o gosto e opinião do público; e prossegue afirmando que a música brasileira que se faz atualmente tem mais a cara da nação, mesmo que muita gente a chame de brega e queira ir para fora do país que também acham brega, de avião que também já virou lotação brega (cito de memória). Ainda bem que este (raro) infeliz comentário do artista não vai adiante e não mencione suas estadas na Europa que vêm igualmente sendo criticadas como incoerência de um socialista com apartamento em Paris - o que também é mais preconceituoso do que consistente ideologicamente. Afinal, é evidente que Chico teve oportunidades culturais de uma elite intelectual, absorveu-as e aproveitou-as de modo excepcional através de seu inegável e extraordinário talento, e - mesmo que tenha tido que trabalhar pesado para sobreviver quando precisou se auto-exilar na Itália (o que ele comenta sem fazer drama nem muito menos heroicizar-se), mantém-se nas atuais “elites” – cultural e economicamente falando. Quem aprecia Chico Buarque de fato não costuma curtir “sertanejo universitário” e outras modalidades musicais que na verdade não prestam nenhum serviço cultural e artístico ao gosto popular, longe de serem biscoito fino para as massas como foram e são tantas composições de Chico, de bossanovistas e seus descendentes musicais.

Outra opinião talvez equivocada do compositor é sobre suas músicas feitas “com raiva” (da ditadura, da censura que o perseguia): acho que ainda é cedo para saber se ficarão de fato datadas, mas ele acredita que já ficaram. Não para seus contemporâneos que também viveram aqueles tempos difíceis, cabendo às novas gerações contextualizar o que porventura parecer pouco claro em suas metáforas – recurso para que as letras “passassem” na censura. A verdade é que desta época há muita coisa boa na obra do grande compositor-letrista.

Vamos combinar que incoerências entre muitos grandes artistas e suas opiniões político-ideológicas (em relação às quais, neste caso, ele se mostraria até mesmo “coerente” – pois não mudaram muito) não importam tanto quanto sua magnífica obra, e o filme reafirma a grandeza do que Chico legou à arte e cultura brasileiras.

Vale mais a pena prestar atenção às passagens engraçadas e curiosas que Chico tem para contar com uma descontração que não se mostrava tão frequente (tão à vontade a ponto de não se poupar na “pisada na bola” apontada acima). Ele parece preferir o Chico-escritor ao Chico compositor, no que também encontra intensas divergências de opinião entre seus fãs. Talvez ainda preferisse também ser o “peladeiro”?

Não são muitas as cenas de arquivo e o filme passa muito rapidamente sobre a época em que seu nome “estourou” como unanimidade nacional na TV ao lado do MPB-4, de Nara Leão e, num show de casa noturna carioca, de Odete Lara. Mas há tanto material sobre a vida musical (e literária) de Chico que a edição deve ter sofrido muito quanto ao que deixar de fora. Um ótimo arquivo é o de Bethânia gravando em estúdio “Olhos nos Olhos”, enquanto os números musicais feitos especialmente para o filme não se prendem às obras mais conhecidas, ao contrário do que Miguel Faria Jr. fez no doc sobre Vinicius. O que é bom no caso de Chico e sua obra tão vasta.

Na verdade, se é difícil separar o homem político (que tem desagradado parte do público) do artista genial que ele é, parte disso se deve ao seu (questionado por ele) “ativismo”, seja passado, seja atual (menos nas composições do que em declarações). Democracia é isso, e ele diz: “Não era isso que queria? Pois agora, aproveite”. Aproveitemos o doc, no mais rotineiro, ainda que bem conduzido entre declarações (poucas) de terceiros, muitas do próprio e grandes músicas. A narrativa na voz de uma atriz, Marília Pera, de trechos do livro “Irmão Alemão”, pretenso fio condutor do doc, soa estranha: por que não uma voz masculina como a do autor?

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