Críticas


MUNDO CÃO

De: MARCOS JORGE
Com: BABU SANTANA, LAZARO RAMOS, ADRIANA ESTEVES
19.03.2016
Por Marcelo Janot
É difícil sair da sessão sem a sensação de ter testemunhado um tremendo desperdício de talentos

Quando “Estômago” foi lançado, em 2007, fazia tempo que o cinema nacional não tinha um filme com vocação para o entretenimento tão divertido e inteligente. Infelizmente, ele não serviu de exemplo para o que veio a seguir, e o nível de qualidade das comédias cinematográficas despencou ladeira abaixo desde então. A expectativa, portanto, era alta para o reencontro do diretor Marcos Jorge com o roteirista Lusa Silvestre em MUNDO CÃO: desde “Estômago” eles não trabalhavam juntos.

O filme coloca o espectador em contato com uma classe pouquíssimo retratada no cinema: a dos funcionários do Departamento de Combate às Zoonoses, responsáveis pela popular “carrocinha”, que recolhe cães perigosos soltos nas ruas. E começa de forma promissora, com uma cena cômica em que Santana (Babu Santana) e Ramiro (Paulinho Serra) tentam capturar um rottweiler no pátio de uma escola. O dono do animal é o violento bandido Nenê (Lázaro Ramos), que jura vingança quando descobre que o bicho acabou sendo sacrificado.

Os personagens são apresentados de forma crível e consistente, com a trama ambientada no seio de uma família de classe média baixa. Santana é casado com a costureira evangélica Dilza (Adriana Esteves), que vende calcinhas (o que rende boas piadas), e a cena em que ambos papeiam no quintal depois que os filhos vão dormir é adorável.

A partir daí, entretanto, tudo degringola. A primeira reviravolta faz com que a narrativa passe a se desenvolver em duas frentes, com registros totalmente distintos: no “núcleo Nenê”, há a tentativa de se fazer humor com um toque de ternura, amenizando a crueldade da situação, mas soa falso; no “núcleo Santana”, o tom melodramático vai crescendo até ganhar contornos inacreditáveis com uma choradeira sem fim. Depois, tenta-se dar ares de suspense à trama, com pistas óbvias até o desfecho previsível.

Um dos problemas enfrentados por “Mundo cão” é que ele não consegue se definir entre a comédia, o melodrama e o thriller policial, e acaba passeando de forma insatisfatória pelos três gêneros. O universo da carrocinha perde importância, e o tema canino não vai além de lições de moral e metáforas manjadas sobre a irracionalidade do comportamento humano. O filme só não é um desastre completo porque há competência em aspectos técnicos como a fotografia, a trilha sonora e a direção de arte, e sobretudo porque grandes atores como Babu Santana e Lázaro Ramos estão em cena como antagonistas. O primeiro embate entre os dois é um primor em termos de timing e diálogos, mas é difícil sair da sessão sem a sensação de ter testemunhado um tremendo desperdício de talentos.



(Publicado originalmente no jornal O Globo em 17.03.16)

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