Críticas


MAIS FORTE QUE BOMBAS

De: JOACHIM TRIER
Com: ISABELLE HUPPERT, JESSE EISENBERG, GABRIEL BYRNE, DEVIN DRUID.
07.04.2016
Por Luiz Fernando Gallego
O que parece interessar mais é o não-dito, o silenciado e o imaginado - mais fortes do que bombas.

“Não existe história em um acidente de carro” (ainda mais se a única pessoa que estava no veículo, dirigindo, morreu, acrescento). “Então as pessoas tem que criar uma história, elas precisam inventar alguma coisa para ter o que culpar.” É o que pensa Jonah (Jesse Eisenberg) sobre o acidente automobilístico que matou sua mãe, Isabelle Reed (Isabelle Huppert), admirada fotógrafa de zonas de conflito.

Um colega e amigo da falecida (David Strathairn), três anos depois de sua morte, está organizando uma exposição sobre Isabelle e avisa ao viúvo (Gabriel Byrne) que vai escrever que ela se matou. A questão é que ao outro filho do casal, Conrad (Devin Druid) - que tinha doze anos na época do suposto acidente - nunca foi dito nada sobre a mãe ter se suicidado, o que no texto de apresentação da mostra vai ser deixado claro. O pai acha que Conrad “tem direito de saber a verdade”, mas Jonah questiona “qual verdade?” O filme encena duas vezes o acidente com Isabelle (imaginado por Conrad?) como acidente mesmo. Ela se matou intencionalmente? Quem sabe o que de fato aconteceu?

Já no prólogo do filme vemos que Jonah acabou de ser pai, e ao encontrar com uma ex-namorada nos corredores do hospital fica sabendo que a mãe dela morreu. Quando ela pergunta o que ele está fazendo ali, ele hesita em falar para uma ex-namorada de sua esposa e filha, balbuciando “Minha mulher...”, o suficiente para a moça o abraçar, compungida como se ele também tivesse sofrido a morte de alguém tão significativo como uma esposa. Ou uma mãe (como a mãe dela; ou a dele...). É mesmo: as pessoas inventam histórias sobre as outras o tempo todo...

O mais recente filme do norueguês Joachim Trier (de Oslo, 31 de agosto, correta porém dispensável refilmagem do mesmo romance que deu origem a Trinta anos esta noite, de Louis Malle) é o primeiro que ele dirige em outra língua, repetindo uma personagem como a de Juliette Binoche em Mil vezes boa noite, fotógrafa em regiões de risco. Diferentemente, porém, este Mais Forte que Bombas se detém bem menos na possível “adrenalina” que estimula esses profissionais e que os deixaria como que "em abstinência" junto à família, fora das zonas de perigo: o que é falado sobre Isabelle é que ela estava depressiva, sugerindo que não encontrava seu lugar e papel na trivialidade do dia-a-dia familiar prosaico. Mas o que parece interessar mais ao diretor (e co-roteirista) é o não-dito, o silenciado, o imaginado - que podem ser “mais fortes do que bombas” quando se está longe dos lugares onde elas explodem... mas com grande potencial de estrago existencial.

Há outros segredos silenciados pelos personagens, especialmente em suas relações afetivas: o viúvo está tendo um caso com uma colega de trabalho - mas não conta nada aos filhos; nunca saberemos bem se Jonah esclareceu o mal-entendido junto à ex-namorada; e Conrad tem uma paixão secreta por uma colega de sala de aula. Mas como exceção, é esse personagem adolescente que escreve despudoramente sobre si mesmo: suas fantasias, devaneios e até quantas vezes se masturbou num dia, expondo-se de modo inusitadamente verdadeiro ao irmão e à menina - aos quais ele permite que leiam o que escreve. Cabe uma ressalva neste filme formalmente muito bem desenvolvido e absorvente: nem sempre estes subenredos paralelos evoluem tão a contento no roteiro ambicioso que não dá conta de tantos elementos acumulados. Mas, afinal, não é assim nas nossas vidas ditas reais, fora dos enredos ficcionais que sempre terão seus recortes e limites no tempo e espaço de duração de um filme?

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