Críticas


CONVERSANDO COM MAMÃE

De: SANTIAGO CARLOS OLVES
Com: CHINA ZORRILLA, EDUARDO BLANCO, ULISES DUMONT
12.08.2005
Por Marcelo Moutinho
NOSTALGIA AÇUCARADA DE UMA ARGENTINA IDÍLICA

Sob o pasmo de uma flânerie pelas ruas do Rio de Janeiro, cercado de “homens indiferentes”, o itabirano Carlos Drummond de Andrade subitamente percebe que o mar passara a não bater no cais, mas sim em seu peito, e então declara: “a cidade sou eu / sou eu a cidade”. Os versos do poema Coração Numeroso celebram o exato instante em que as perspectivas individual e coletiva se fundem, e a cidade pode então ser vislumbrada – ou sentida – na persona do próprio escritor.



Mas por que recorrer a Drummond antes de enveredar pela análise de Conversando com Mamãe, filme que é o objeto propriamente dito da resenha? Explico: porque assim como grande parte da recente – e em geral ótima – produção cinematográfica portenha, o trabalho de Santiago Carlos Olves procura esmiuçar os efeitos da crise econômica a partir do microcosmo de um núcleo familiar, conjugando o drama particular às razões coletivas que o suscitaram. A obra acrescenta mais uma peça no vigoroso processo de auto-reflexão que a ruína financeira do país impingiu aos argentinos - e cuja ponta mais visível encontra-se justamente no cinema feito por lá hoje.



O enfoque temático e o tom agridoce que envolvem Conversando com Mamãe são similares aos de outros filmes da atual safra, como O Filho da Noiva, de Juan Jose Campanella, e Lugares Comuns, de Adolfo Aristarian, para ficarmos com apenas dois exemplos. A premissa da trama é quase banal: Jaime (Eduardo Blanco) leva uma cômoda vida de classe média até conhecer o desemprego. O dinheiro começa a faltar, impossibilitando que mantenha a confortável casa, as viagens, o colégio dos filhos. Vê-se também obrigado a se desfazer de sua incrementada picape. Diante de tantas dificuldades, acaba sendo pressionado pela mulher (Silvina Bosco) e pela sogra (Floria Bloise) a vender o pequeno apartamento onde mora, de favor, a sua mãe (China Zorrilla). No intuito de convencê-la a deixar o imóvel, ele passa a visitá-la diariamente – e essa reaproximação quase que compulsória irá provocar mudanças radicais em sua existência.



O resgate da relação mãe/filho dá-se de forma lenta, porém progressiva, e a direção de Olves consegue extrair de Zorrila e Blanco atuações nuançadas, como convém à história. O diretor acerta também ao concentrar a grande maioria das seqüências no apartamento da mãe, que surge como um refúgio seguro para Jaime quando a própria casa já não representa mais um “lar”. Tal fato é reforçado no contraste entre a ambientação simples mas acolhedora do primeiro e a placidez asséptica do segundo.



Olves contudo erra (e muito) a mão quando, talvez no afã de sublinhar o verdadeiro turbilhão emocional que o reencontro encerra, acaba despejando açúcar em imagens por si só doces. Isto acontece sobretudo no uso redundante dos flashbacks com os quais pontua a passagem entre o tempo presente e uma infância na qual a convivência de Jaime com a mãe era plena. Apelando para imagens supostamente "poéticas" - como folhas que despencam sobre a tela -, ele se pretende lírico, mas é apenas piegas.



São pequenos deslizes que, se não chegam a travar o bom andamento do filme e aniquilá-lo de todo, parecem ocultar em subtexto um aceno ingênuo, este sim bastante questionável: a nostalgia de um passado idílico povoado por ilusões europeizantes, uma época na qual amalgamar-se com o país, à maneira do que fez Drummond com a cidade, era um orgulho maior – e talvez mais falso.



#CONVERSANDO COM MAMÃE (Conversaciones com Mamá)

ARGENTINA, 2004

Direção: SANTIAGO CARLOS OLVES

Roteiro: SANTIAGO CARLOS OLVES

Produção: PASCUAL CONDITO, LUISA MATIENZO, MÓNICA ROZA E SANTIAGO CARLOS OLVES

Fotografia: ANIBAL BOSCO

Música: PABLO SALA

Edição: LILIANA NADAL

Elenco: CHINA ZORRILLA, EDUARDO BLANCO, ULISES DUMONT, SILVINA BOSCO, FLORIA BLOISE, NICOLÁS CONDITO, TITO MENDOZA

Duração: 80 min

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