O mais recente filme de Almodóvar trata de pessoas que passam por ganhos afetivos sempre associados a perdas, especialmente no que diz respeito à personagem-título, Julieta. Construído quase todo o tempo como um grande flashback, já no início, ainda na atualidade, um reencontro casual com uma amiga de juventude de sua filha, que se chama Antía, vai reacender a esperança de Julieta retomar o contato há muito perdido - mas para que isso tenha chance de acontecer ela renuncia à mudança de Madri para Portugal como havia programado com seu companheiro, ‘Lorenzo’ - mesmo sem ter nenhuma certeza de que Antía vá procurá-la em seu antigo endereço
Julieta, diferentemente de seu pai - que vê a esposa afundando numa demência enquanto já tenta uma nova relação, privilegiando o ganho em lugar das perdas -, parece não deixar de absorver as perdas. E até mesmo agrega sentimentos de culpa sem motivos mais racionais.
Pela segunda vez em sua carreira, Almodóvar tenta sair de um impasse anterior recorrendo ao melodrama: foi assim depois de Kika (1993), filme em que o excesso de desvarios no enredo desandou no resultado final, levando-o a buscar uma saída no terreno do melodrama através de A Flor do meu segredo - que antecipou a obra-prima, Carne Trêmula.
Mas enquanto seus melodramas geralmente continham uma pegada de humor com toques de nonsense em sua desfaçatez sem medo do kitsch, neste Julieta ele parece excessivamente cauteloso após os resultados insatisfatórios de A Pele que habito (com exageros semelhantes aos de Kika na busca do insólito) e especialmente de Os Amantes Passageiros - quando tentou retomar as comédias descabeladas do inicio de sua carreira, porém não tendo atingido mais do que o clima de chanchada frustrada.
O intervalo superior a três anos entre o filme anterior e este parece ter ajudado para que o diretor conseguisse realizar um filme bem mais satisfatório, mas ainda assim distante do melhor Almodóvar, ao qual faz falta o humor e a irreverência, aqui completamente ausentes.
A competência artesanal, a boa trilha musical (onipresente), as locações variadas e os bons desempenhos – com destaque para Adriana Ugarte que faz a Julieta quando jovem (sem demérito para Emma Suárez que faz a personagem na meia idade) colaboram para que o resultado final seja OK, mas não muito mais do que isso.
Baseando-se em três contos da escritora canadense premiada com o Nobel, Alice Munro, o roteiro do cineasta prossegue sem sobressaltos, prometendo mais do que consegue cumprir - especialmente se o espectador se ligar em referências hitchcockianas de encontros em trens, criadas que lembram a de “Rebecca”, homens que seguem mulheres com um passado misterioso e forcluído etc.
Na verdade, mesmo adaptando para sua Espanha natal os contos (“Ocasião”, “Daqui a pouco” e “Silêncio” do livro “A Fugitiva”) que originalmente transcorrem no Canadá, Almodóvar foi mais fiel a Munro do que a si próprio.