Chega de realidade. A saudade está no ar. Tudo por obra de um revival da Bossa Nova que está aveludando o audiovisual brasileiro. Miguel Faria Jr. apresenta o seu Vinícius, híbrido de documentário e ficção. Walter Lima Jr. arredonda as harmonias finais do seu aguardado longa Os Desafinados. Belisário Franca e Bebeto Abrantes estão enfileirando na Direct TV os seus episódios de 7 X Bossa Nova. E Paulo Thiago acertou a batida em Coisa Mais Linda, uma discreta mas aliciante evocação daquele momento em que a MPB mergulhou nas ondas da modernidade.
Com Roberto Menescal e Carlinhos Lyra como razoáveis mestres de cerimônia, o filme remete, na estrutura, à própria maneira como a Bossa Nova se instalou: partindo de influências estilhaçadas (samba, fossa, jazz, clássicos) e transições paralelas até se consolidar, de mansinho, na parceria suprema de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Não por acaso, Tom e Vinícius só pisam firme no documentário em sua segunda metade, quando um vasto terreno já está pavimentado para eles evoluírem e reinarem.
Felizmente, Paulo Thiago não está muito interessado em “explicar” a Bossa, como tantos já fizeram. Ele apenas deixa fluírem as reminiscências, ajudadas pela revisita aos endereços históricos do movimento. Mesmo assim, salta aos ouvidos, nos depoimentos de Sérgio Cabral e Arthur da Távola, a afirmação de que a Bossa Nova não foi nenhuma revolução, mas o resultado de um processo que vinha das décadas anteriores. Revolução, de fato, é termo que não casa com uma maneira de cantar e compor que nasceu da necessidade de não incomodar os vizinhos, conforme hipótese encantadora de Menescal.
O tom de making of da Bossa domina o filme. Ficamos sabendo como nasceram canções célebres, o hábito do banquinho, os diminutivos e até o nome Bossa Nova. Simpatia é o que não falta, embora a arquitetura dos depoimentos e números musicais esteja longe de um Niemeyer. A viga João Donato, por exemplo, alonga-se demais no primeiro ato; o terraço do dueto Menescal-Chris Delano termina antes que possamos apreciar a paisagem descortinada; o equilíbrio de toda uma ala vacila pela ausência de sequer um retalho de fonograma da musa Nara Leão. Há curvas imperfeitas de cinegrafia, ângulos bruscos de edição, imperdoáveis falhas de sincronia no canto de Lyra (Maria Ninguém) e – logo quem! – João Gilberto (Desafinado).
Haverá quem diga que isso é Bossa Nova, isso é muito natural. Pode ser. Mas o que mantém de pé a agradável construção de Coisa Mais Linda não é sua desafinação ocasional, mas a discrição do método empregado por Paulo Thiago. E sobretudo o que o charme sereno da Bossa provoca de contraste com o Rio de Janeiro atual. A nostalgia é inevitável diante das lembranças de uma cidade mais gentil e de uma música mais inteligente e sedutora. O filme nos transporta para esse passado hoje quase utópico, de coisas findas e lindas, para depois devolver-nos ao desespero das ruas e ao império da saudade.
# COISA MAIS LINDA
Brasil, 2005
Direção e roteiro: PAULO THIAGO
Fotografia: GUY GONÇALVES
Montagem: MARCELO MORAES
Apresentação: ROBERTO MENESCAL, CARLOS LYRA
Duração: 131 minutos