Críticas


CRASH – NO LIMITE

De: PAUL HAGGIS
Com: SANDRA BULLOCK, DON CHEADLE, MATT DILLON
06.03.2006
Por Nelson Hoineff
A FOBIA DAS DIFERENÇAS

O grande crítico Andrew Sarris sustentava que muitas vezes onde julgamos encontrar um grande filme, o que estamos vendo é simplesmente um grande roteiro. A teoria do autor, da qual Sarris foi expoente nos EUA, pode ser resumida pela tentativa de separação entre um e outro. Quando vemos um filme como Garota de Ouro, por exemplo, é razoável que fiquemos em dúvida. Sabemos que existe Eastwood, um grande cineasta, por trás da câmera. Mas não há como esquecer que existe um habilidoso escritor, Paul Haggis, por trás do computador.



Onde começa um e termina outro, é matéria para Sarris. Haggis é um típico autor bem sucedido de incontáveis séries para a TV (tanto como roteirista quanto como diretor) como EZ Streets e Family Law, que nos anos 90 ganharam um status que seria impensável uma década antes. Ele desenha Crash, seu primeiro filme para cinema, como se a sua velocidade interna estivesse contida numa dessas séries – mas como se o olhar sobre os personagens estivesse por ser oferecido para a câmera serena de um cineasta como Eastwood.



Seu tema é o racismo. Não uma forma de racismo focada, mas, por assim dizer, o racismo generalizado que está por toda parte. É um filme sobre a fobia das diferenças. Como num bom episódio de TV, tudo é deflagrado por um fato pueril, um acidente de automóvel numa estrada. Isso é o bastante para fazer emergir o ódio reprimido pelo outro. Na medida em que novos acontecimentos vão se entrelaçando, vamos ficando de frente para uma sociedade que nos tolera e onde pretendemos tolerar. A representação de uma Babel onde, por obscuras razões, não podemos nos dar ao luxo de nos suportarmos mutuamente.



Haggis desenha sua Babel de uma perspectiva humanista, porque o que está diante de nossos olhos tende a nos revoltar. Lidamos com personagens ambíguos – bandidos que se espantam ao serem percebidos como bandidos, policiais capazes de serem tão violentos quanto frágeis (como o ótimo personagem vivido por Matt Dillon) mas sobretudo com resultados paradoxais de conquistas sociais. É uma questão delicada e politicamente incorreta de ser discutida. Crash pode ser aí tão ousado quanto um filme de Spike Lee, de Sergio Bianchi ou de Vinicius Mainardi. Sugere, de quebra, a naturalidade de comportamentos, como se nada pudesse ser mais natural que o ódio e o medo que seus personagens vão exalando. Tudo é construído como se o filme não estivesse focando numa ação especial, mas no cotidiano. É isso que o torna especialmente assustador.



# CRASH – NO LIMITE (Crash)

EUA/Alemanha, 2005

Direção: PAUL HAGGIS

Roteiro: PAUL HAGGIS, BOBBY MORESCO

Elenco: SANDRA BULLOCK, DON CHEADLE, MATT DILLON

Duração: 113 min.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário