Críticas


NOSSO FIEL TRAIDOR

De: SUSANNA WHITE
Com: EWAN McGREGOR, STELLAN SKARSGARD, DAMIAN LEWIS, NAOMIE HARRIS.
07.10.2016
Por Luiz Fernando Gallego
O espectador terá que ampliar a suspensão da descrença para acompanhar as premissas do enredo.

Colocar uma pessoa comum numa trama incomum e complexa, envolvendo intrigas internacionais, é um recurso comum no Cinema, favorecendo a identificação do espectador com tais personagens ingênuos que precisarão se reinventar para lidar com perigos até então inimagináveis em suas vidinhas banais.

O gênio de Hitchcock usou este recurso algumas vezes com resultados brilhantes, e mesmo que as premissas fossem um pouco inverossímeis, nos seus filmes deste tipo tudo funcionava muito bem com a “suspensão da descrença” básica e necessária para se assistir qualquer filme. A diegese de suas histórias mantinha a indispensável coerência interna para o desenvolvimento convincente, e seus atores - especialmente o James Stewart de O Homem que sabia demais (na segunda versão) - acabavam por reassegurar-nos que aquelas situações até pareciam plausíveis, desde que em sua própria recriação de uma realidade ficcional.

Mas nem Ewan McGregor e nem Naomie Harris têm o ar ingênuo de Stewart ao lado de Doris Day no filme de 1956. O professor universitário em crise conjugal é inconvincente ao entrar de otário numa confusão monumental. E a personagem de sua esposa, apresentada como uma advogada bem sucedida que trabalha como promotora, acaba endossando as escolhas estúpidas de seu marido! Por que ele se comporta como um cavalheiro numa festa de embalo?! Péssima premissa para ser escolhido por um mafioso para ajudá-lo. Também a crise conjugal pela qual estão passando não os levaria a querer apimentar a intimidade correndo tamanhos riscos. E há o agravante da inexpressividade de McGregor, seja por descrença em seu personagem, seja pelo automatismo no qual o ator incorre em alguns filmes.

Sem conhecer o livro original de John le Carré, também chama a atenção o fato do escritor, geralmente muito hábil, assinar esta adaptação de um enredo inconvincente em suas bases - e ainda por cima ser ele um dos produtores executivos da empreitada. Nem parece uma história de Le Carré!

O desastre não é completo graças aos cuidados de produção, da ótima fotografia do oscarizado Anthony Dod Mantle e à direção certinha de Susanna White, com o bônus da ótima participação - bem cabotina - de Stellan Skarsgard para um personagem igualmente cabotino. Mas além de McGregor e Naomie Harris, Damian Lewis (que foi da série de TV Homeland) também se mostra pouco matizado na construção de seu personagem, ainda que nem tanto como o insosso casal central.

O “arco” do personagem de McGregor, de tolo a heroico, não convence, e o espectador terá que ampliar a suspensão da descrença para acompanhar as surpresas (algumas bem previsíveis) do enredo.

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