Os argumentos e livros escritos pelo inglês Ian McEwan têm dado origem a filmes sempre inesperados no plano formal, quase sempre interessantes pela sua riqueza temática e complexidade emocional. Alguns exemplos: The Ploughman´s Lunch(1983), de Richard Eyre, uma história do meio jornalístico que se transfigurava num mergulho cruel na Inglaterra de Margaret Thatcher; The Confort of Strangers (1990), uma espantosa fábula anti-romântica que Paul Schrader dirigiu a partir de uma adaptação escrita por Harold Pinter.
Surge, agora, a versão cinematográfica de Enduring Love, entre nós Amor Para Sempre. Dirigido por Roger Michell, cineasta britânico cujo maior trunfo internacional foi, até agora, a comédia romântica Um Lugar Chamado Notting Hill(1999), o filme é um daqueles objetos que vive de uma fortíssima hipótese narrativa e filosófica: a de que o amor pode não passar de um sistema de construções mentais para sustentar as nossas necessidades biológicas e, muito concretamente, os nossos impulsos sexuais.
A força maior do filme reside na capacidade de conservar esta hipótese como verdadeiro motor da ação. E tanto mais quando tudo nasce de um conjunto de acasos mais ou menos inomináveis. Dito de outro modo: esta é a história de Joe (Daniel Craig) e Claire (Samantha Morton) que, num dia paradisíaco no campo, são envolvidos num acidente do qual resulta a morte de um homem e a súbita entrada de outro, Jed (Rhys Ifans), nas suas vidas. Mais do que isso: Jed envolve-se tragicamente com Joe, a ponto de pôr em causa a relação deste com Claire.
Há no desenvolvimento desta trama algo de filme policial, como se fosse necessário regressar ao local do "crime", onde a história começou, para conhecer todos os elementos que puderam alterar os destinos das personagens. O certo é que o conhecimento dos fatos está longe de apaziguar a dúvida essencial: será o amor a máscara civilizacional de uma pulsão fisiológica ou, pelo contrário, um estado de alma onde cada um aposta literalmente tudo, isto é, a vida e a morte?
Roger Michell vai gerindo a história (espantosa) que tem para contar num tom realista que dispensa qualquer simbolismo fácil. Em Amor Para Sempre, o que conta é, antes de mais nada, o sentimento de verdade que emana das personagens e dos lugares, essa certeza cruel de que, sob as superfícies do cotidiano, o fator humano atravessa um processo infinito de construção, destruição e reconstrução.
# AMOR PARA SEMPRE (Enduring Love)
Inglaterra, 2004
Direção: Roger Michell
Produção: Kevin Loader
Roteiro: Joe Penhall
Música: Jeremy Sans
Fotografia: Haris Zambarloukos
Elenco: Daniel Craig, Samantha Morton, Rhys Ifans, Bill Nighy, Lee Sheward, Susan Lynch, Justin Salinger
Duração: 100 min.