O cineasta francês Paul Vecchiali tem uma extensa carreira, mas estranhamente não era exibido no Brasil, nem mesmo em festivais. Por essa razão é possível falar que a exibição de Noites Brancas no Píer (2014), na 38ª edição da Mostra de São Paulo, é uma descoberta do autor ao público brasileiro. Mérito também da distribuidora Supo Mungam Films, que lançou este e É o Amor no circuito nacional. E também está lançando O Ignorante, que integrou a seleção oficial do Festival de Cannes.
O Ignorante é daquelas obras que sugerem se tratar da despedida de um realizador. É um filme-terminal em vários sentidos: Vecchiali é responsável por direção, roteiro, letra de músicas e é o ator principal da película. Até aí nada demais, mas o fato é que a história gira em torno de um senhor que repassa, em seus últimos anos de vida, os seus amores e fracassos de maneira melancólica. Há um desinteresse pelo homem e pela vida tamanho que pouco importa se o personagem morre hoje ou em uma década. O único interesse real dele está em reencontrar a única mulher que acredita ter amado, e que gera esse suspiro de vida.
O filme está estruturado em elipses que percorrem os últimos oito anos na vida de Rodolphe, como se cada sequência representasse um fragmento de memória que se encerra em si mesma. A postura em relação ao mundo é a mais depressiva possível: o personagem acredita que todas as pessoas só se aproximam dele por dinheiro, tanto é que a primeira pergunta que faz é exatamente essa; recusa a ajuda do filho, que mesmo mal tratado resolve se estabelecer no andar debaixo da casa do pai. Essa representação de distância física e emocional é a chave da mise en scène de O Ignorante. Todos os personagens não ocupam o mesmo espaço de Rodolphe: às vezes eles nem trocam olhares e parecem estar com um muro entre si; em outras são focados fora de quadro, apenas com a voz mediando a conversa. É especial o instante em que reencontra o suposto amor de sua vida, numa personagem interpretada por Catherine Deneuve, no qual nem chega a figurar no plano, apenas sua voz, tamanha a impossibilidade de habitar aquele mundo.
É um longa amargo, ácido e árido, mas ao mesmo tempo sem lamentações. Rodolphe leva a vida do jeito que queria e imaginava: colecionou mulheres, mas não afetos e amores verdadeiros. O que resta agora é um último desejo de admirar a imprecisão das ondas do mar e se despedir da incerteza da vida com um último adeus, sem olhar para trás. Belo, soturno e estranho.