Críticas


ELIS

De: HUGO PRATA
Com: ANDRÉIA HORTA, GUSTAVO MACHADO, CACO CIOCLER.
24.11.2016
Por Luiz Fernando Gallego
Dramaturgia rotineira em cinebiografias de cantoras visa conquistar o público.

Cinebiografias de cantoras famosas seguem geralmente o mesmo esquema, sejam americanas (sobre Billie Holiday), francesas (sobre Piaf) ou – agora – brasileiras, como este Elis, sobre Elis Regina. Geralmente com traços melodramáticos, pena que nosso cinema ainda não conseguiu filmar a vida complicada de Carmen Miranda que, morta em 1955, já fica distante da memória popular. Mesmo Elis, que se foi em 1982, já teria gerações que nunca a viram na TV ou ao vivo e que talvez tomem o primeiro contato mais intenso com a voz possante da gaúcha através deste filme, já que a atriz Andréia Horta não canta, mas dubla a biografada.

Felizmente, em boa parte do roteiro, o melodrama não domina o filme, destacando-se mais o estilo vibrante e “para fora” que caracterizava a cantora que alterou o paradigma inaugurado por João Gilberto e seguido por Nara Leão, dentre outros intérpretes da Bossa Nova, o de cantar suavemente – e para o microfone.

Mas para intensificar a dramaturgia, o filme sublinha bastante as possíveis complicações políticas de Elis durante a ditadura militar - que não foram tão intensas como as sofridas por Gilberto Gil e Caetano Veloso (que chegaram a ser presos), ou mesmo por Nara, ameaçada de prisão, e que, como Chico Buarque, optou por viver um bom período fora do Brasil para evitar riscos maiores. Mas já que um filme não é um documento jornalístico de precisão histórica, o público contemporâneo da biografada terá que conviver também com certas inversões cronológicas de fatos importantes, musicais ou não, do modo como surgem no roteiro.

Há também uma ênfase no aspecto mais romântico da relação de Elis com Ronaldo Bôscoli, o que talvez seja questionável: o relacionamento entre eles foi mais entre tapas do que beijos, mas novamente a dramaturgia que quer atrair o público predomina.

Não é fácil para uma recriação ficcional de fatos reais lidar com personagens de parentes de um artista e com tanta gente ainda viva - ou com seus descendentes, o que pode ser às vezes ainda mais complicado. O relacionamento tenso de Elis com seus pais, especialmente com o pai, surge apenas esboçado e é concluído com uma cena de despedida do genitor que pega um ônibus de volta para Porto Alegre dizendo clichês para a já mais do que promissora estrela.

Também a vida íntima com César Mariano, mais longa e mais profícua artisticamente do que o período Elis-Bôscoli, fica muito na superfície apesar da boa participação – discreta - de Caco Ciocler. O namoro da cantora pouco antes de morrer é omitido: ‘Samuel’ parece mais um amigo que antes servia de advogado para consultoria de projetos de Elis-César Mariano. O desconforto de Elis com o prestígio de Nara Leão, intérprete sensível de voz com extensão muito menor do que a sua, é sugerida por expressões faciais da atriz, quando na realidade Elis podia ser verbalmente agressiva com quem ou com o que a incomodava. São pequenos aspectos que podem ser relevados, incluindo-se aí este temperamento difícil e instável que surge apenas perto do final do filme, como se a cantora tivesse entrado numa certa depressão e angústia pelo rumo profissional que queria dar à sua carreira sem saber bem em que sentido - o que parece querer “justificar” sua adesão à bebida e a drogas mais pesadas, responsáveis por sua morte precoce.

Sob o ponto de vista mais especificamente cinematográfico, o diretor estreante na tela grande, Hugo Prata, recorre muito ao porto mais ou menos seguro dos grandes closes, um vício televisivo - exceto quando mostra Elis nos palcos, em planos gerais. De qualquer forma, Andréia Horta também revela ter star quality, “chamando” a câmera para si, mostrando mais do que uma certa mimetização das conhecidas expressões faciais de Elis. A atriz tenta um esboço de interpretação da personagem, não apenas interpretando a personagem. Muito bem coadjuvada por Gustavo Machado como Bôscoli, menos preocupado em parecer fisicamente com o retratado do que em representá-lo além dos estereótipos das conhecidas “cafajestadas”.

Fotografia eficaz, edição caprichada e recurso a alguns grandes momentos da cantora em interpretações memoráveis certamente trarão a adesão do público. As canções escolhidas para abrir e concluir o filme são dessas que empolgam na voz extensa de Elis. Afinal, se tantas cinebiografias romantizam as vidas de suas grandes cantoras, este filme, ainda que sendo “mais um” deste subgênero, cumpre este mesmo papel do mesmo modo, certamente provocando mais aplausos para a cantora revivida do que para o filme, um tanto rotineiro dentro de uma produção caprichada. Pode-se considerar que pretendia isso mesmo.

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Outros comentários
    4450
  • Allard Amaral
    22.12.2016 às 13:06

    "Elis" pode não ser um grande filme da nossa melhor interprete da música brasileira, mas vale a ida ao cinema para curtir os grandes momentos da vida tumultuada da cantora. Andreia Horta incorpora Elis de tal forma, que nos leva ao seu mundo, sua trajetória de vida. Fica nos devendo algumas parcerias, algumas músicas marcantes. Apesar do filme ter um cunho político e dramático, é uma excelente diversão !!! Confiram !!!
  • 4457
  • neto ulrich
    27.12.2016 às 01:04

    Até que eh bom. Recomendo.