Críticas


FLORES PARTIDAS

De: JIM JARMUSCH
Com: BILL MURRAY, SHARON STONE, JESSICA LANGE, JEFFREY WRIGHT
28.11.2005
Por Marcelo Janot
ENCONTROS E DESENCONTROS DOS TIPOS DE JARMUSCH

É impossível não lembrar de Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola, ao se assistir ao novo filme de Jim Jarmusch, Flores Partidas. E não é apenas pelo fato de que ambos são protagonizados por Bill Murray, que interpreta personagens muito semelhantes: solitários, meio catatônicos em suas viagens por um universo desconhecido, e econômicos em gestos e palavras. Sofia Coppola é hoje uma espécie de queridinha do cinema independente americano, exatamente como Jarmusch foi saudado há duas décadas, quando surgiu com Estranhos no Paraíso e Daunbailó. Se de várias formas Flores Partidas lembra Encontros e Desencontros, isso acontece porque Sofia bebeu fundo na obra do colega para conceber seu filme. Afinal, Jim Jarmusch é um grande observador do comportamento humano a partir do acaso – seus filmes tratam, invariavelmente, de encontros e desencontros, sejam eles em uma prisão (Daunbailó), numa cafeteria (Coffee and Cigarettes) ou dentro de um táxi (Uma Noite Sobre a Terra).



Em Flores Partidas, Jarmusch promove encontros entre Don Johnston(Bill Murray) e algumas de suas ex-namoradas de duas décadas atrás. O motivo? Uma carta anônima datilografada em cor-de-rosa supostamente enviada por uma delas, anunciando que ambos tiveram um filho do qual ele nunca soube da existência, e que o garoto estaria a caminho do encontro dele. Levando-se em conta que Don é apresentado como um solitário que vive na mais absoluta letargia, difícil imaginar que ele tomasse a iniciativa de descobrir o paradeiro e ir atrás de suas ex-namoradas na época. Até porque, se o filho estaria vindo até ele, seria mais óbvio que permanecesse estatelado em seu sofá até a campainha tocar.



Mas como dificilmente sairia um filme daí, e Jarmusch parece mais interessado em acompanhar seus personagens do que valorizar uma suposta trama detetivesca (e o final ratifica isso), ele dá uma banana pra lógica e arruma uma solução um tanto implausível como ponto de partida: Winston (Jeffrey Wright), um dos poucos amigos de Don, o convence a abrir o bolso com passagens aéreas, aluguel de carros e hospedagem, e o mais incrível, a ir atrás de suas ex. Na bagagem, Don leva basicamente duas perguntas: se elas possuem uma máquina de escrever e se têm filhos homens na faixa dos 20 anos. Qualquer resposta positiva a uma dessas questões já a tornaria uma potencial suspeita de ser a autora da carta e mãe de seu filho desconhecido.



Nas mãos de um burocrata de Hollywood, o roteiro e a direção de Flores Partidas certamente cairiam na vala comum do formulário da mediocridade. A assinatura de Jarmusch proporciona ao espectador, ao invés do entretenimento de consumo fácil, um provocante, bem humorado e ao mesmo tempo melancólico estudo da solidão. Tirando Winston, todos os outros personagens demonstram, cada um a seu modo, como é estar só e não conseguir escapar disso. Jarmusch é um exímio escritor de diálogos saborosos, mas como grande cineasta, as deixas para o seu recado podem vir de diversos elementos, como a assepsia na decoração do apartamento de uma das ex-namoradas de Don, a forma como outra acorda na cama e se despede dele, e muitos pequenos gestos, olhares e situações inusitadas. A música do etíope Mulatu Astatke, que faz companhia a Don na viagem de carro, é uma atração à parte.



Ao invés de ficar preocupado em montar um quebra-cabeça em que falta a última peça, o espectador deve, assim como Don, procurar sair de seu imobilismo intelectual para, junto com ele, observar como as escolhas racionais nem sempre podem resultar mais felizes do que dar uma chance ao acaso, com todos os riscos que isso implica. E enquanto os Los Hermanos cantam que “sair de casa já é se aventurar”, Jarmusch prova que sair de casa pra ver Flores Partidas é aventura mais que obrigatória.



# FLORES PARTIDAS (BROKEN FLOWERS)

EUA, 2005

Direção e Roteiro: JIM JARMUSCH

Produção: JIM JARMUSCH, JON KILIK, STACEY SMITH

Fotografia: FREDERICK ELMES

Montagem: JAY RABINOWITZ

Música: MULATU ASTATKE

Elenco: BILL MURRAY, SHARON STONE, JESSICA LANGE, JEFFREY WRIGHT, TILDA SWINTON, FRANCES CONROY, JULIE DELPY.

Duração: 106 min.

site: http://brokenflowersmovie.com

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