Críticas


LA LA LAND: CANTANDO ESTAÇÕES

De: DAMIEN CHAZELLE
Com: RYAN GOSLING, EMMA STONE.
12.01.2017
Por Hamilton Rosa Jr.
Quanto mais o diretor refaz os caminhos já percorridos pelo cinema, mais cada plano parece novo, inesperado, de um frescor vivo e ainda mais fecundo.

Numa das cenas mais belas de La La Land, Ryan Gosling vagueia ao longo de um píer, olha para o skyline de Los Angeles e entoa uma canção que começa assim "Cidade das estrelas, / você está brilhando apenas para mim?". Leva uns segundos pra gente entrar no clima, mas o entusiasmo do personagem é tão grande, que pouco importa se a voz de Gosling é pequena.

O mesmo espírito toma a maravilhosa abertura, num viaduto engarrafado. Primeiro temos numa panorâmica vertiginosa sob os carros apinhados, a mistura dissonante de ritmos, cada um ouvindo um tipo de música, num arremedo que deveria soar histérico e sufocante. As máquinas gritam, as buzinas ressoam, e de repente uma indiana desce do carro cantando, e todo o operariado em volta (latinos, asiáticos, africanos), e também ciclistas, skatistas e tantos outros "istas", entram no clima, escalando os capôs e os telhados de seus veículos, para entoar, "Another Day of Sun". O número coreográfico é de uma sensibilidade e uma graça quase surreais! Em vez da massacrante rotina de dirigir para o trabalho, é como se todos estivessem rumando contentes para as férias num desbunde cinematográfico grandioso. A câmera alça vôo para mostrar um quilômetro de alegria onde não deveria haver. Se você quer abrir o engarrafamento, declara La La Land, a música e a dança são as chaves.

Damien Chazelle, o diretor que antes nos deu Whiplash, aquele drama sobre o jovem baterista obcecado em ser maior que a vida, aqui parece o próprio músico ambicioso, só que no lugar dá bateria, seu instrumento é todo um gênero: o musical. E ele não se intimida frente a escola. Ama tanto os musicais clássicos que extrai toda a seiva possível. De Cantando na Chuva, a A Roda da Fortuna, passando por Sinfonia de Paris, West Side Story, transita pelo vocabulário com maestria, e ainda pisca o olho para as experiências francesas de Jacques Demy, reverenciando Os Guarda Chuvas do Amor e Duas Garotas Românticas. Claro, não é preciso conhecer a tradição para entender ou gostar do filme.

La La Land" é uma reinvenção musical tentando colorir de alegria esse miserável futurismo distópico e corrupto que não larga a mão do cidadão do século 21. Chazelle sabe que são outros tempos, outra indústria, outra mentalidade e ele jamais alcançaria o requinte dos tempos dourados. Naqueles clássicos estrelados por Fred Astaire, Gene Kelly, Debbie Reynolds, Cyd Charisse e tantos outros, cada passo, cada toque de mãos, cada repique de sapateado buscavam uma harmonia, uma classe que não existe mais, e a sincronicidade falava não só de almas gêmeas, mas de um ideal que transcendia o simples entretenimento. Este era o ideal platônico de Hollywood, sugerindo uma perfeição formal negada ao resto de nós, em nossos desajeitados tropeços. Era uma outra fase, um outro sonho. Nostalgia inocente? Não. La La Land não cai nesta armadilha saudosista. Propõe, sim, uma nova suposição: com o que dois artistas, uma aspirante a atriz (vivida por Emma Stone) e um pianista (Gosling) podem almejar na Los Angeles de hoje?

Com muito pouco, já que o significado de arte mudou extremamente do que era há quarenta ou cinquenta anos. Arte hoje é a celebração do mundo da mercadoria. Jazz, samba, música regional, clássica, de vanguarda não são o que interessam à indústria. Busca-se, sim, a massificação do gosto. E tudo que vai ao contrário do movimento é deglutido ou isolado.

Mas no meio das prateleiras e passarelas para o consumo, é possível trombar com resistentes. O casal de protagonistas do filme, Mia (Stone) e especialmente Sebastian (Gosling) são os desajeitados remanescentes deste grupo. Ambos lutam para não serem contaminados pela rotina da música de supermercado.

Sebastian ama o jazz e leva Mia para um bar completamente fora de moda, para que ela sinta como funciona uma jam-session com uma tradicional banda de veteranos. "Observa como os instrumentos dialogam", ele explica, "o lindo disso tudo é que eles tocam toda noite e cada vez é uma emoção diferente".

Em seguida, o casal sai à rua e, tomado pela poesia do jazz, cantam e dançam entusiasmados. Pouco importa se um canta pequeno e o outro dança melhor. O cativante em "La La Land" reside no fato de que percebe-se que os protagonistas não são peritos na arte, e isso, no fundo, é o de menos. Eles humanizam o número musical, olhando para a platéia e convidando-nos para fugir do óbvio e procurar a magia nas emoções simples.

A história do filme, aliás convida a observar a essência das coisas. Dos sentimentos, das ideologias, das fragilidades, dos desejos e de suas contradições.

Mia persegue o sonho de se tornar atriz, mas em cada teste, ela sofre um tipo de humilhação ou desdém. O plano de Sebastian é mais ambicioso: ele sonha em ser o dono de um bar de jazz, um lugar onde poderá trazer todos os mestres do riscado, cultivando um gênero que ele não quer que se extinga.

Isso funciona num mundo idealizado, mas no real, Sebastian se sujeita a tocar nas piores espeluncas.

Enfim, Mia e Sebastian não fazem o que pregam. Os dois vendem-se ao sistema.

Ah, mas como isso tudo podia ser diferente...!

Então os dois são sugados para o escapismo de uma sessão num velho cinema, o lendário Rialto (uma sala que não existe mais) para assistir uma sessão de Juventude Transviada. E de repente, quando o filme enrosca e a sessão é interrompida, eles se recusam a deixar o reino de faz de conta. Os dois saem do cinema direto para o Observatório de Griffith, uma das locações de "Juventude Transviada" para viver na realidade, o que só se pode viver no cinema.

Planetas e galáxias rodam, enquanto eles levitam e dançam no ar.

Nesse momento, corre-se o risco do academicismo, do olhar complacente, do encerramento num sistema autista ou pretensioso. Acontece o contrário. Quanto mais Chazelle refaz os caminhos já percorridos pelo cinema, mais cada plano parece novo, inesperado, de um frescor vivo e ainda mais fecundo.

É uma espécie de milagre que um filme como La La Land ainda exista, e meu conselho seria ignorar os cínicos e os críticos que buscam falhas num trabalho como esse. Pegue o filme na maior tela que você puder encontrar, com um sistema de som correspondente e tome uma cerveja de antemão. A missão deste filme só será cumprida se for visto por aqueles que nunca conheceram um musical legitimo, no cinema, e que podem não saber que emoções podem florescer, sem recorrer a explosões e violência.

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Outros comentários
    4505
  • Felipe B. Fontes
    05.02.2017 às 08:07

    Foi exatamente o que aconteceu comigo, fui com minha esposa assistir ao filme somente por que vi que ele havia ganhado o Globo de Ouro, pois nunca ligamos para musicais. Antes de assistir comemos um lanche e tomamos uma cerveja, entramos no cinema despretensiosamente, com o olhar livre de críticas, sem imaginar que duas horas depois sairíamos completamente emocionados e extasiados da sala. Viva Damiem Chazelle!! Viva essa juventude desacreditada, que a cada dia nos surpreende com o novo velho!
  • 4512
  • UnKwon
    22.02.2017 às 12:43

    Poxa vida! Gostaria de ter sentido o mesmo entusiasmo, mas não foi. Acho muito interessante a historia... Encontros e desencontros da vida, um romance atual, real, a busca pelos sonhos, as prioridades.... Achei tb uma ótima tentativa do velho x novo... Enfim, para mim, foi apenas um filme bom de assistir, mas nunca indicaria ao Oscar de melhor filme. Justamente o contrario da sua opinião, não senti emoção nos personagens, não consegui me envolver... Muito diferente de Moulin Rouge por exemplo, que vc sofre junto com ele, aquele amor devastador, empolgante, dramático... Tudo isso implica que tb nunca indicaria ao Oscar de ator e atriz.
  • 4520
  • Allyson Rodrigues
    04.03.2017 às 21:32

    Até aceito não gostar de Lala Land, mas comparar com Moulin Rouge é pra lascar. Em tempo, a crítica do Hamilton Rosa está perfeita.