O que aconteceu com o velho melodrama “clássico”? Um dos gêneros mais difíceis pelo risco de descambar no dramalhão de novelas mexicanas (e filmes idem dos anos 1950), o melodrama já ocupou espaço de honra em obras de Fassbinder (O Medo devora a alma, O Desespero de Veronika Voss), Almodóvar (Tudo sobre minha mãe, A Flor do meu segredo, De Salto Alto), Max Ophuls (Carta de uma Desconhecida), King Vidor (Ruby/Fúria do Desejo) , William Wyler (The Heiress/Tarde Demais, The Chidren’s Hour/Infâmia), Elia Kazan (Vidas Amargas, Clamor do Sexo), só para mencionar alguns. Recentemente o diretor Derek Cianfrance arriscou o gênero em A Luz entre os oceanos.
A fronteira tênue geralmente é demarcada pelo excesso. Embora os excessos já façam parte inerente do melodrama. A questão seria o pleonástico "exagero nos excessos" que podem derrubar um filme. Isso quase acontece em Eu, Daniel Blake quando Ken Loach pareceu insatisfeito com sua já forte demonstração de graves problemas assistenciais na Inglaterra atual, chegando a usar prostituição e morte como ápices de uma sequência de problemas que antes já deixavam de modo claro e eficiente sua justa denúncia.
Em Manchester à beira mar, a coisa degringola. Para evitar spoilers não vamos mencionar o acúmulo de situações sofridas pelo personagem vivido por Casey Affleck. A estrutura do roteiro parece reconhecer as armadilhas do enredo ao fazer idas e vindas (aos montes) no tempo para não mostrar cronologicamente o acúmulo de sofrimentos do protagonista. Talvez um diretor mais experiente - afinal, Kenneth Lonergan está em seu terceiro filme longo, tendo sido mais anteriormente roteirista de comédias como A Máfia no Divã - conseguisse expor melhor as tragédias do personagem. Ou, mais provavelmente, um roteirista mais hábil não escreveria o dramalhão que o mesmo Lonergan inventou, seguindo um pouco a trilha de seu primeiro filme, Conte comigo, de 2000 (não confundir com o Stand by me de 1986 que era "Conta comigo" - do verbo "contar" com 'a' aqui no Brasil) quando Laura Lynney vivia uma mãe solteira que recebia a vista de um irmão de quem estava afastada desde que seus pais morreram num acidente (olhem só) quando eram crianças, mas o reencontro não era bem o que ela esperava, trazendo mais problemas para sua vidinha já enrolada.
Uma grande diferença é que o elenco do filme mais antigo tinha Laura Lynney, sempre indicada a prêmios (que nunca recebe) e Manchester à beira mar tem Casey Affleck num desempenho que lhe vem rendendo aplausos, a meu ver, superestimados. Deixando bem claro minha visão: Casey é um ator bastante limitado que usa sempre a mesma (in)expressão soturna no rosto e que fala entre dentes como o pior de um Marlon Brando que, entretanto, era... Marlon Brando. Seus cacoetes podem ter caído algo satisfatoriamente para este personagem muito sofrido, mas é exatamente a mesma interpretação (?) que ele deu em vários filmes. Inclusive quando esteve muito bem, aparentemente, em O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford e teve sua primeira indicação ao Oscar. A segunda deve estar vindo por Manchester à beira mar, quando, dizem, deve levar a estatueta, eleito por quem não se deu conta que desde sempre ele é ator de uma chave interpretativa só. Desta vez, funciona? Até certo ponto, mas acho que estão confundido sua inexpressividade com a depressão em que vive o personagem.
Outra questão é Michelle Williams - que é ótima atriz, ela sim, versátil, além de ser uma queridinha de Hollywood. Seu papel, mínimo neste filme, é bem conduzido por ela, mas me parece também um pouco superestimado para indicações que vem tendo como atriz coadjuvante. O negócio é que roteiro e os diálogos não ajudam muito mesmo.
Já o jovem Lucas Hedge como o sobrinho adolescente e pivô do drama atual do personagem de Casey Affleck parece-me estar sendo pouco louvado: Lucas faz um tipo autocentrado, nem sempre simpático e pouco sintonizado com qualquer coisa que não seja seu interesse imediato. Talvez estejam misturando boas interpretações com personagens sofredores (com os quais temos tendência maior a nos identificarmos) e por isso o melhor desempenho do filme está menos prestigiado pelos comentários ouvidos à saída do cinema a favor de Casey Affleck. Louvemos várias associações de críticos americanas que estão lembrando Lucas - em contraste com o Globo de Ouro que o ignorou.
A cara de pau do diretor em procurar envolver a plateia em emoções emergentes chega ao uso (melhor seria dizer: abuso) do surrado, ainda que belíssimo, “Adágio” de Albinoni, executado – pasmem! - por inteiro ao loooongo de uma cena que, por si só, já teria alto teor de dramaticidade. Numa rápida contagem pelo site IMDb, deve ser a quadragésima vez que o "Adágio em Sol para arcos e órgão" de Tomaso Albinoni é usado em filmes, lembrando que a primeira foi em 1962, mas buscando forte contraste com as imagens, um uso totalmente anti-melodramático em O Processo, de Orson Welles. Usar essa melodia para enfatizar tragédias ficcionais filmadas é de uma pobreza imaginativa total. Mas esse é o tom do filme.