Críticas


ATÉ O ÚLTIMO HOMEM

De: MEL GIBSON
Com: ANDREW GARFIELD, VINCE VAUGHN, SAM WORTHINGTON, TERESA PALMER, HUGO WEAVING, RACHEL GRIFFITHS
30.01.2017
Por Luiz Fernando Gallego
Mel Gibson explora os corpos dilacerados como se fossem a cereja sangrenta do bolo de carne humana que as cenas se deliciam em expor.

Sabemos que as guerras podem envolver carnificinas inimagináveis por quem nunca esteve numa batalha e que esta interessantíssima história real - de um soldado que sem pegar em armas resgatou 75 feridos em uma das mais sangrentas operações da II Guerra no Japão - não deveria deixar de lado como se passam as coisas num teatro de guerra. Mas, paradoxalmente, para Mel Gibson, o enredo sobre um homem que abomina as armas parece servir prioritariamente à exploração ad nauseam de sangue, suor e tripas.

O diretor não se contenta em mostrar que ratos podem devorar cadáveres insepultos: ele mostra isso cinco ou seis vezes. Do mesmo modo, vísceras expostas, restos de pernas em frangalhos (parcialmente amputadas), vermes devorando o rosto e crânio de mortos, assim como outras imagens do mesmo teor abundam na tela. A propósito, a primeira cena mostra uma meia dúzia de corpos vistos de cima bastante dilacerados, um deles decapitado. Não se pode esperar nada muito diferente no restante do filme, embora a ação regrida no tempo para mostrar o personagem central na infância - nada paradisíaca - com um pai bêbado e violento. Mesmo nesta parte do filme, se o pai corta a mão, o foco vai estar em sangue abundante. Se alguém for atropelado e ferir uma artéria na coxa, o sangue vai esguichar em meio a uma maçaroca de roupas banhadas de vermelho - e assim por diante. Mas a cereja sangrenta do bolo de carne humana virá nos dois terços finais situados num violentíssimo campo de batalha.

De nada adiantam os bons desempenhos, especialmente de Andrew Garfield, ou a excelente edição sonora e os efeitos visuais: tudo está a serviço de uma encenação disposta a despertar o grafismo das mutilações e, consequentemente, o sadomasoquismo das plateias.

Gibson ficou mal nas fitas anteriores, Apocalypto, de 2006 e A paixão de Cristo, de 2004, pois também pareciam estar bem mais a serviço da exibição de muito sangue e carne viva. O agravante de Até o último homem é que os atos heroicos do personagem são encenados como se ele fosse um novo – e mais poderoso – Cristo reencarnado: ele quase se faz invisível para os japoneses, mesmo carregando homens feridos em seus ombros em território inimigo - e suas ações soam mais como verdadeiros milagres de um santo dos nossos dias do que como eventos plausíveis, ainda que cheios de adversidades para se concretizarem.

Como Gibson não quer perder nenhuma dessas oportunidades "viscerais", ele não deixa de se deter em um haraquiri perpetrado por um oficial japonês que prefere morrer à humilhação de se deixar derrotar, personagem sem a menor importância no roteiro (a não ser para esse momento em que é decapitado depois de enfiar a faca no ventre).

Tudo isso é mostrado detalhadamente ao som de música tonitroante ou/e “heroica” visando emocionar o espectador. Mas, por mais que o heroísmo dos eventos reais possa ser emocionante, o que domina o filme é a exploração do dilaceramento dos corpos: não é para estômagos fracos nem para pessoas sensíveis.

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