A estranheza inicial vem junto com o título – inusitado para um filme francês - Les Cowboys (no original) que logo em sua abertura exibe uma reunião de franceses cantando country music norte-americana, vestidos de vaqueiros como nos westerns, com direito a cavalos e bandeiras dos EUA.
O filme teve sessões especiais no Festival Varilux de 2016 quando perguntei a um dos atores protagonistas, Finnegan Oldfield (francês, apesar do nome), se essa espécie de feira americanófila existia mesmo na França; ou se era uma ficção do roteiro para aludir ao filme Rastros de Ódio (1956), de John Ford. Ele respondeu que quando foi convidado para o filme, inicialmente, chegou a pensar que fosse uma comédia ao saber desta cena - mas não se tratava de nada surreal, assim como essas tomadas de gente vestida de cowboy em pleno coração da França contaram com extras que são pessoas que participam de tais encontros, gente que curte mesmo esse tipo de coisa, com direito até a uma estrela de "xerife" no peito de um dos participantes. O jovem ator (na época com 25 anos) não conhecia a obra-prima que Ford lançou em 1956 e que é um dos maiores filmes da história do cinema, mas as referências e paralelos do filme francês com o americano são bem evidentes: troque-se os índios que sequestraram a personagem da sobrinha de John Wayne no clássico pela atração que jovens europeias, oriundas de famílias ocidentais, podem sentir pelo mundo árabe - mesmo em 1994 quando a ação da história é deflagrada - e temos a premissa deste novo filme.
O enredo não segue o mais antigo passo a passo, havendo enormes diferenças e alguns deslocamentos, sendo que nem sempre as conclusões dos conflitos se mostram cem por cento convincentes, mas a direção e os atores principais conseguem manter aceso o interesse do espectador até mesmo por tais aspectos – aliás, bem polêmicos - do roteiro.
Este é o longa de estreia, bem dirigido, do roteirista premiado por O Profeta e Ferrugem e Ossos (e do Saint Laurent de Bertrand Bonello, bem como de Dheepan – O Refúgio, Palma de Ouro de 2015). Foi indicado a quatro ‘César’ incluindo o de Melhor Primeiro Filme. E ainda os de Melhor Ator - François Damiens, de A Família Bélier e Melhor Ator Promissor para Finnegan Oldfield – que foi quem esteve no Brasil ano passado para promover o filme. O resultado final deve bastante a esses dois intérpretes cujos personagens vivem a situação de um luto bem mal resolvido: luto pela perda de um ente querido vivo, porém distante, e que se transforma em compulsão e ódio (especialmente no caso do pai da mocinha desaparecida).