A escritora americana Emily Dickinson foi evocada nos palcos brasileiros em Emily , elogiado monólogo com Beatriz Segall, apresentado, sob a direção de Miguel Falabella, na metade da década de 1980 e mais recentemente em solo com Analu Prestes, sob a condução de Eduardo Wotzik. Também é mencionada em Paterson , novo filme de Jim Jarmusch, como uma das autoras preferidas do protagonista. Agora, a jornada da escritora desembarca em Além das Palavras , produção minuciosa, característica dos trabalhos de Terence Davies.
Em determinado instante, a câmera se aproxima dos personagens como se fosse fixá-los em retratos. Em outro surgem imagens estáticas da guerra. Mas Davies não cristaliza personagens e situações em moldura convencional. Não por acaso, traça um perfil de Dickinson (interpretada, em fases distintas, por Emma Bell e Cynthia Nixon) que escapa à tradicional enumeração de acontecimentos da vida.
A escritora aparece na tela como alguém sem lugar num mundo que não valoriza suas qualidades. Sofre preconceitos impostos às mulheres em relação, entre outros fatores, à prática profissional – apesar de sua personalidade contestadora, enfrenta obstáculos sociais para se afirmar como poetisa – e não se enquadra dentro de um padrão de beleza feminina – o que gera baixa autoestima agravada pela escalada de uma doença que reduz o controle sobre o corpo. À medida que a projeção avança, Dickinson se enclausura cada vez mais.
Inadaptados ao presente, os personagens, ocasionalmente, expressam saudade do passado, a exemplo do momento em que a mãe de Dickinson (ótima atuação, quase transbordante, de Joanna Bacon) lembra de um rapaz de 19 anos. Um sopro nostálgico, próprio da obra de Davies, percorre o filme, marcado pela composição de refinadas cenas à meia-luz.