Críticas


LADY MACBETH

De: WILLIAM OLDROYD
Com: FLORENCE PUGH, COSMO JARVIS, NAOMI ACKIE, CHRISTOPHER FAIRBANK
16.08.2017
Por Luiz Fernando Gallego
É impressionante o que a roteirista e o diretor atingiram nesta primeira obra admirável.

É curioso que a 'lady Macbeth' original de Shakespeare, personagem escocesa dos anos 1100 recriada na peça de 1603 pelo inglês, tenha inspirado a novela russa de Nikolai Leskov em 1865, “Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk”; e que esta obra, em 2016, tenha sido tomada como base para este filme – novamente britânico – ambientado na Inglaterra rural do mesmo ano de lançamento da obra russa.

Entre as três “ladies” há diferenças e semelhanças. A principal semelhança estaria especialmente no caráter firme e inabalável em atingir suas ambições. Mas enquanto a 'Lady' original de Shakespeare vá sofrer uma quebra brutal em sua capacidade de determinação, mergulhando na culpa, loucura e suicídio, a russa Katerina Lvovna Izmailova vai manter sua frieza inquebrantável.

Não entraremos em maiores detalhes de como vai se desenvolver a nova lady Macbeth, agora chamada de Katherine, no filme de estreia em longa-metragem de William Oldroyd - exceto quanto às bases do arco que a personagem vai percorrer. A jovem, como era comum na época, foi levada a um casamento arranjado, tendo servido praticamente como “moeda de troca” para que o velho Boris casasse seu filho, bem mais velho do que a moça. Na única vez em que o marido ordena a Katherine que se dispa, manda que ela fique de frente para uma parede e de costas para ele que, sentado numa poltrona, se masturba.

Constrangida a nem mesmo sair de dentro de casa, ela, que adorava percorrer os campos, vai manter uma relação mista de cumplicidade, indiferença ou mesmo crueldade com a criada negra Anna. Em um momento-chave Katherine irá se revoltar quando presencia uma cena de humilhação que alguns empregados da propriedade impuseram a Anna, despida. Nesta cena, a patroa toma contato com o criado Sebastian, surgindo entre os dois uma irresistível atração sexual, mola propulsora do que se seguirá no roteiro de Alice Birch, também estreante em longas.

É impressionante o que Birch (roteirista) e Oldroyd (diretor) atingiram nesta primeira obra: tudo no filme surge solidamente estruturado, seja nos diálogos do roteiro, seja na mise-en-scène apolínea do diretor. Os planos fixos (frequentemente usados de modo estereotipado em filmes que procuram atender a um modismo, mas sem uma relação orgânica entre a forma de narrar e o objeto da narrativa), aqui, servem habilmente para transmitir um pouco da rigidez daquela sociedade e seus hábitos, sem descambar em esteticismos - embora os quadros obtidos possam ser eventualmente belíssimos.

A ação prossegue de modo incisivo, tal como se comporta a personagem central, sem se perder em lances supérfluos, perfazendo não mais do que 89 minutos de duração. Mais do que Shakespeare ou mesmo Leskov, o que bate na tela parece remeter sobretudo a Ibsen, mas uma espécie de Ibsen reciclado de modo um tanto “minimalista”, diríamos. E assim também são as interpretações, admiráveis no todo do elenco. Entretanto, seria injusto não destacar Florence Pugh no papel-título deste Lady Macbeth : com apenas 19 anos à época das filmagens, a atriz é parte inerente do resultado admirável que o filme atinge. A seu lado, Cosmo Jarvis (que também já dirigiu um longa) proporciona a dose exata de atração mesclada com um tanto de submissão empregado-patroa alternando outros momentos em que tenta ser dominante ou independente.

A submissão da mulher (um tema ibseniano por excelência) acaba por dar margem a uma reação destrutiva em busca de conquistar e manter o poder a qualquer custo, não deixando de espelhar, numa reviravolta do enredo, a submissão dos menos favorecidos numa sociedade severamente estratificada. Tudo isso nos chega embalado em direção de arte, edição, fotografia (lembrando Vermeer nos interiores) e trilha sonora (praticamente sem música não-diegética) unindo-se para o todo irrepreensível. Não fosse a origem do nome na novela russa (Katerina/Katherine), poderíamos pensar na Catherine de “O Morro dos Ventos Uivantes” – em grande parte pelas paisagens exteriores, similares às do romance de Emily Brontë - embora a Catherine do romance mais antigo não chegue perto do potencial destrutivo desta nova versão de Lady Macbeth.

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Outros comentários
    4626
  • Allard Amaral
    07.10.2017 às 14:00

    "Lady Macbeth" O filme é uma adaptação do romance "Lady Macbeth do distrito de Mitsensk" do escritor russo Nicolai Lescov. O casamento de Katherine com Boris Macbeth é uma relação doentia, sem amor e com sexo solitário. Quando Lady Macbeth conhece um trabalhador da fazenda do marido, tudo se modifica e eles tem uma forte ligação carnal. Mais tudo é recheado com muito ódio e assassinatos surgem no decorrer da trama. Trata-se de uma boa fita de suspense, com toques de horror. A reconstituição da época é perfeita assim como o rigor inglês. Assiste-se num sobressalto, aguardando um final trágico!