Críticas


BINGO: O REI DAS MANHÃS

De: DANIEL REZENDE
Com: VLADIMIR BRICHTA, LEANDRA LEAL, ANA LÚCIA TORRE
25.08.2017
Por Luiz Fernando Gallego
A vida real pode ser melodramática, mas a dramaturgia não precisaria derrapar na pieguice.

A vida real de muita gente pode até ser mais melodramática do que jamais uma novela mexicana terá sido. Mas por mais que a vida de Arlindo Barreto (renomeado como 'Augusto Mendes' no filme Bingo: o rei das manhãs) tenha sido muito parecida com - ou mesmo exatamente - o que se vê na tela, a dramaturgia não precisaria derrapar na pieguice. O roteiro de Luiz Bolognese e a direção de Daniel Rezende, entretanto, fizeram, à medida que o filme avança, um evidente recurso a esta linguagem de fácil apelo popular. E que pesa negativamente, mesmo em confronto com outros tantos aspectos positivos que também existem nesta estreia do diretor, até agora um excelente montador, já indicado a um Oscar pela edição de Cidade de Deus.

De fato, o filme começa muito bem, percebendo-se logo o capricho da direção de arte na recriação dos anos 80 - sem deixar de expor no vestuário até mesmo aquelas roupas de ombreiras armadas e penteados femininos que hoje soam bizarros e cafonas. O desempenho de Vladimir Brichta certamente será lembrado nas premiações dos melhores do ano do cinema brasileiro, assim como a fotografia do experiente - e justamente já bastante premiado - Lula Carvalho. Para quem não se lembra, Lula Carvalho é sempre solicitado por José Padilha, seja em seus longas nacionais, seja nos que Padilha vem filmando fora do Brasil.

A edição de Marcio Hashimoto e a direção de Rezende têm ótimos momentos, mesmo que a presença de um plano-sequência virtuosístico possa soar supérflua, sem muita relação com o momento do enredo em que é utilizado um tanto gratuitamente. Mas o que atrapalha mesmo o resultado final são as escorregadelas na pieguice: a relação do personagem central com seu filho jamais fica bem resolvida, soando mais melosa do que afetiva. O texto e as situações reservadas para o pequeno ator Cauã Martins não o ajudam a se descolar dos aspectos mais melodramáticos, caindo no clichê do filho que, quando o pai se dá bem na vida, especialmente no show business, deixa a família em segundo plano. Neste sentido, a direção do pequeno ator também foi falha.

Também os encontros com a mãe de ‘Augusto’ não caem tão bem, apesar da boa participação de Ana Lucia Torre como 'Marta Mendes', uma atriz que só vem fazendo parte de júri de programa de calouros (na vida real, Marcia de Windsor). E Brichta está sempre melhor nos momentos em que o personagem se mostra destemperado e irreverente, o melhor do filme.

Ainda que também seja um clichê do cinema a questão do “homem por trás da máscara”, aqui não se vai ver um palhaço que faz rir ocultando um indivíduo deprimido. Ainda bem. O tema é o do ator que não consegue lidar bem com o que o sucesso pode lhe proporcionar, especialmente quanto ao abuso de drogas. Cabe destacar que o sucesso de 'Augusto' implica num paradoxal anonimato, sendo parte do rígido contrato que lhe dá uma forma peculiar de fama: não revelar jamais seu rosto nem seu nome, ele seria sempre e apenas o palhaço 'Bingo'. Ou, na realidade, o Bozo originário dos Estados Unidos e recriado aqui por Arlindo Barreto - segundo o filme - de modo mais brasileiro, com mais “pimenta” e esculacho do que o modelo original. O Bozo no canal do Silvio Santos fez tanto sucesso que ameaçou a primazia da Globo (aqui, "TV Mundial") e da Xuxa - não mencionada, imaginem se fosse. O único nome real utilizado no filme é o de Gretchen que aparece na versão melhorada de Emanuelle Araujo . Em um papel muito unidimensional, Leandra Leal não repete a mesma intensidade de seus habituais desempenhos.

A impressão que fica é que se desperdiçou um ótimo argumento pela falta de contenção dos aspectos melodramáticos, ainda que eles possam ter existido na origem real da história narrada. Um exemplo de que a narrativa visual tem essa pegada, independente dos detalhes do enredo, encontra-se na cena em que as coisas não vão bem para o personagem: ele é visto de costas, afastando-se da câmera enquanto as luzes do corredor vão se apagando atrás de si. Imagem pleonástica de gosto duvidoso. Já para exemplificar o que se pode fazer de diferente, mesmo que o enredo possa ter aspectos dramáticos impactantes, podemos recorrer a um filme que também está em cartaz, Afterimage, de Andrzej Wajda, que narra a vida de um pintor que perdeu um braço e uma perna na guerra e cuja obra é implacavelmente rechaçada pelo “realismo socialista” da política stalinista para artes plásticas na ex-URSS. Uma vida muito mais desgraçada num filme que jamais escorrega na pieguice, ao contrário de Bingo: o rei das manhãs.

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Outros comentários
    4615
  • Ivan
    11.09.2017 às 20:12

    O filme é perfeito! Ignorem a crítica!