1 - Alice, O Carnaval de Sodoma (pré-estréia mundial, sinal de prestígio e carinho pelo Festival do Rio, e presente para os espectadores), Sem Gás, Sem Rumo, a hilariante lição cine- huizinganiana de micro-História de 12h08 Leste de Bucareste, Coração Batendo no Escuro, Flandres, O Labirinto do Fauno, O Livro dos Recordes de Shutka, rever A Nave dos Monstros etc.
2 - Os Anjos Exterminadores
Magnífico, ridículo, complexo, pueril (os trangressores Jean-Claude Brisseau e Lukas Moodysson compartilham isso) deixou a platéia do Palácio 2 entre extasiada e enraivecida. Todos os filmes desse diretor tinham que ser exibidos nesta sala de cinema. Foi comprado para distribuição pela Focus Filmes.
3 – Find Me Guilty
Brucutu, quem? Numa maravilha do gênio artesão, o autor informal, Sidney Lumet, o grandalhão Vin Diesel compõe um inesquecível retrato de sentimentalismo abrutalhado e ultra-cômico, e de ética provocante. (I)moralmente perturbadora, a cena em que ele convoca a fraternidade coletiva de um bando de criminosos boçais e torpes evoca tanto o comovente Meu nome é Spartacus, do filme de Stanley Kubrick, quanto famosa obra do mesmo Lumet, Doze Homens e uma Sentença (1957), ao mostrar a resolução de um espírito livre (por mais cruel que seja, sendo quem esse cara é) contra a indolência da opinião mediana.
4 - Um Casal Perfeito
Vamos empregar uma fórmula reducionista, a grosso modo, para traduzir um sublime resultado: eis Hou Hsiao-Hsien refilmando A Noite, de Michelangelo Antonioni. Emocionalmente e intelectualmente mais consistente do que o correto e superestimado Juventude em Marcha. Candidato sério a melhor filme do evento.
5 – Entre milhares de planos, uma amostra informal, com três:
Pelo esteticismo – ao ar livre, o rato agonizante, de barriga para cima, em superclose, enquanto no fundo do quadro, vemos uma moça escapar de um cômodo, em .
Pela epifania terrena – o único (e horrível) sorriso, em close de um segundo, do macambúzio protagonista de Luz na Escuridão, fumando no pátio de uma prisão.
Por tudo que significa – se não me engano, é o quarto plano/quarta cena de Um Casal Perfeito, com Valeria Bruni Tedeschi sentada na beira da cama, vociferando, mas sem histeria, mantendo o controle, contra a inércia do marido (Bruno Todeschini), que está fora de quadro.
6 – Alain Cavalier rodando uns planos num banheiro, para homenagear o amigo Claude Sautet, que morrera no dia anterior e que filmava esse cômodo como ninguém, segundo Cavalier . E a variedade de expressões deste cine-personalismo-umbigocentrismo da era digital, em obras como esta e Totalmente Pessoal.
7 – Frases? Muitas. Uma: “Você não aprende a dizer ‘eu te amo’ numa cidade em que as ruas têm números, e não nomes”, em WWW, charmosa e marroquina obra pop-urbana-policialesca herdeira da longa linhagem que vem de Acossado.
8 – A prova de que a idiotice do politicamente correto (olha a redundância...) é a demonstração cabal do clichê “de boas intenções, o Inferno está cheio”: O Grito das Formigas, A Graça Divina, Minha Vida Sem Minhas Mães.
Acima de todos, a metáfora viva (melhor, morta...) inacreditável de Os Pássaros do Céu, que traz a lésbica branca morta num incêndio, cujo corpo repousa nos braços da amada negra, que acaricia o seu rosto coberto de fuligem e diz, Agora, finalmente você é negra. Causas sociais muitas vezes dignas não podem servir como álibi para execução de obras de arte tolas.
9 – As musas: várias, de idades, nacionalidades, formações sócio-culturais as mais diversas. Só para provocar, vou enumerar quatro de filmes que não vi: Marion Cotillard (Bom Ano), Helen Mirren (A Rainha) e Juliete Binoche (Quelques Jours in Septembre) – esta, sempre – e Hermila Guedes (O Céu de Suely).
10 – A imprensa local e de fora do Rio cobra da organização do Festival com um vigor e detalhismo que não é aplicado em nenhum outro evento semelhante no Brasil. Então, é legal a gente elogiar quando é merecido: o Festival foi ótimo, com funcionamento quase impecável (perfeição não dá). Só um filme foi cancelado (Um Céu Dividido), poucos ficaram presos na alfândega, e sim, a legendagem eletrônica funcionou muito bem, como em nenhum outro ano – incidente mais grave: os três minutos sem elas no espanhol Azul Escuro Quase Preto.
A melhorar: o treinamento dos voluntários, por vezes desinformados, com bem-vindas exceções de clara excelência; e detalhes na questão da entrada de credenciados da imprensa nas salas quando não é possível retirar ingresso com antecedência.
11 – Todas as centenas filmes que não vi e que são interessantes, talvez maravilhosos. Um evento como o Festival do Rio é mais sobre estas perdas inevitáveis que a miríade de opções traz, do que sobre aquilo que conseguimos ver e apreender.
Obs: Tal como Carlos Alberto Mattos, também não vi filmes da Première Brasil.
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