Em semanas com poucos lançamentos significativos (e alguns filmes clamorosamente ruins) no circuito comercial, cabe ao cinéfilo aproveitar as retrospectivas de filmes realizados por nomes de exceção na história do cinema e que estão vivos e filmando independente da idade mais ou menos avançada.
Além da mostra bem mais modesta de filmes de Carlos Saura na Caixa Cultural do Rio de Janeiro (12 a 24 de agosto), a partir do dia 19/8 o Centro Cultural Banco do Brasil carioca abre uma retrospectiva completa dos longa-metragens de Alain Resnais, acompanhados de 3 sessões que agrupam curtas do diretor como os celebrados Van Gogh (1948), Guernica e Gauguin (ambos de 1950), além de outros filmados na década de 1950, todos anteriores ao primeiro longa assinado por Resnais (Hiroshima, Meu Amor): oportunidade excepcional de conhecer ou rever As Estátuas também morrem, Toda a Memória do Mundo, O Canto do Estireno e o mais famoso de todos, o excepcional Noite e Neblina.
Como é freqüente na obra de Resnais, há parcerias importantes com – dentre outros -Raymond Queneau (texto em alexandrinos e narração em Canto do Estireno), Paul Éluard (texto de Guernica) e Chris Marker, realizador de La Jetée que iria inspirar Os 12 macacos e que realizou filmes sobre o Brasil dos anos de chumbo incluindo um curta sobre Marighela (aqui ele é autor do texto e co-dirige As Estátuas também morrem).
As parcerias com escritores famosos continuariam, por exemplo, nos roteiros de Hiroshima (Margueritte Duras), Ano Passado em Marienbad (Alain Robe-Grillet), Quero ir para casa (Jules Feiffer), A Guerra acabou e Stavisky (Jorge Semprún) e de Smoking/No Smoking e Medos Privados em Lugares Públicos (Alan Ayckbourn).
Com o roteirista Jean Grualult (que também participou de filmes de Truffaut, Rosselini, Rivette, Chantal Akerman e irmãos Dardenne, dentre outros) Resnais filmou em seguida, entre 1980 e ’84, Meu Tio da América, A vida é um Romance e Morrer de Amor, este dois últimos inéditos comercialmente no Brasil – assim como Na Boca, Não (de 2003) e o belíssimo Melô de 1986.
Mas mesmo filmes que chegaram a ter lançamento nas salas de cinema entre nós, como Eu te amo, eu te amo (de 1968), são raridades absolutas que merecem ser vistos ou revistos nesta mostra que pode ser o acontecimento do ano em matéria de cinema no Rio de Janeiro.
Resnais abriu sua carreira de longas com duas obras máximas: Hiroshima, meu amor e Ano Passado em Marienbad, quase reproduzindo o “efeito Cidadão Kane” que, após uma estréia tão incrível, relegou os filmes seguintes de Orson Welles a um patamar de comparação e apreciação quase sempre demeritório para a obra subseqüente do cineasta – o que é injusto em ambos os casos e se pensarmos, na obra de Resnais, em títulos como Providence e Meu Tio da América.
Mas é fato que mesmo com os belos resultados alcançados em Melô, desde Meu Tio da América Resnais não reproduziu a excelência que domina a fase que vai de 1959 (Hiroshima) a 1980. Embora não tenha perdido o gosto pela experimentação corajosa: como no díptico Smoking / No Smoking e nos filmes com formato (cenários, takes, ambiente “artificial”) “teatral” (ainda que sem perder a essência cinematográfica) como em seu filme mais recente, Medos Privados em Lugares Públicos - que se foi tão estimado é porque aqui Resnais conseguiu resultados mais satisfatórios dentre os que realizou após Melô. Mas se todos merecem ser vistos pelo olhar de um cineasta de exceção e sempre criativo, não se pode negar que os grandes roteiristas dos primeiros filmes fizeram alguma falta em suas últimas obras.
Na verdade, todo o Resnais é imperdível, cabendo ao espectador tentar selecionar o que vai poder ver e o que vai sofrer em não poder assistir, seja pela primeira vez, seja em revisão. O banquete oferecido por esta mostra se completa no Rio com um curso paralelo às exibições ministrado pelo sempre competente professor João Luiz Vieira.
Para informações detalhadas e programação diária deve-se ir ao site http://mostra-alain-resnais.blogspot.com/
A mostra segue também para São Paulo (a partir de 4 de setembro) e Brasília (a aprtir de 16/9).