O Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, que começou na última sexta-feira e temina no próximo dia 30, chega à vigésima edição com um variadíssimo cardápio de opções, oferecendo entretenimento mas sobretudo suscitando reflexões.
A primeira delas diz respeito à própria viabilidade comercial do formato. Hoje são inúmeros os festivais e mostras de curtas espalhados pelo Brasil afora, e eventos como o Festival Internacional de SP e o Curta Cinema, do RJ, costumam ter sessões lotadas mesmo nos horários mais ingratos. Entretanto, os curtas continuam ausentes das salas comerciais, salvo iniciativas isoladas como sessões patrocinadas pela Petrobras. Muita gente lembra que nos anos 70 e 80 a exibição de curtas antes do longa-metragem era obrigatória, o que para muitos era considerado um martírio, especialmente para quem estava interessado num filme de Charles Bronson e era obrigado a assistir a um documentário sobre o teatro negro no Brasil.
Hoje, a produção de curtas no Brasil é fartíssima, e bons exemplares do formato só chegam ao público de forma mais regular e constante através do Canal Brasil, que abre bom espaço pra eles em sua programação. Curta-metragistas seguem travando árdua batalha contra os exibidores pela volta da lei de obrigatoriedade nos cinemas. Afinal, se gasta-se cerca de 15 minutos com propagandas e trailers, porque não exibir um bom curta-metragem brasileiro?
Outra reflexão que um evento como o de São Paulo suscita é sobre as questões de linguagem que envolvem o curta-metragem. Toda uma seção do Festival foi batizada de Escritas do Cinema, abrigando programas como os destaques da Semana da Crítica do Festival de Cannes e um outro, batizado com o pomposo título de Pensar e Fazer Cinema, que traz filmes realizados por críticos.
A farta programação internacional, traz, entre seus destaques, um curta recente do badalado diretor chinês Jia Zhang-Ke, diretor de Em Busca da Vida e O Mundo. O curta, que em inglês se chamou Cry me a river e no Brasil foi batizado de Nós que nos amávamos tanto, é fiel ao estilo do diretor. Ao mostrar o reencontro de um grupo de ex-colegas de escola para comemorar o aniversário de um professor, Jia volta a refletir sobre o tempo, imobilismo e mudanças.
Outro filme que rende assunto é o musical americano West Bank Story, dirigido pelo americano judeu Ari Sandel, e que venceu o Oscar de melhor curta-metragem em 2007. Trata-se de uma paródia ao clássico West Side Story ambientada na área de conflito entre israelenses e palestinos. Em meio as uma guerra de estabelecimentos de fast-food, tendo de um lado o Kosher King e de outro o Hummus Hut, uma jovem palestina, atendente do Hummus Hut, se apaixona por um soldado israelense. O curta recria com perfeição e criatividade a atmosfera kitsch dos números musicais de West Side Story, com ótimas sacadas sobre o conflito na palestina.
O resultado muitas vezes é hilário, e apesar da mensagem humanista no desfecho, pode incomodar aqueles que não conseguem entender como se pode fazer humor em cima de um assunto que remete a tanta dor e sangue derramado. Lembra da polêmica envolvendo A Vida é Bela? Pois é. Um programa veiculado pela TV Al Jazeera reuniu um grupo de palestinos e israelenses para assistir ao curta-metragem, e a maioria achou West Bank Story ofensivo e inapropriado. Mas para aqueles que enxergam o filme como uma inteligente e bem-humorada paródia a um clássico do cinema, trata-se de uma obra fascinante e instantaneamente cult.