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“FIM DO SILÊNCIO”: UM FILME COM TODAS AS PALAVRAS

23.09.2009
Por Carlos Alberto Mattos
“FIM DO SILÊNCIO”: UM FILME COM TODAS AS PALAVRAS

Este documentário bem poderia se chamar “Fim da Hipocrisia”, ou “Fim da Culpa”, ou ainda “Fim do Sensacionalismo”. Porque ele se opõe a toda uma gama de tratamentos que o tema do aborto tem recebido no cinema. Usualmente, o assunto se presta a melodramas ou a documentários que, sob a capa da denúncia, reforçam o estigma do “proibido” e do “clandestino”. Algumas vezes, a necessidade de proteger a identidade de suas protagonistas dá margem a recursos artificiosos que só enfatizam o medo e, em última instância, o espectro da criminalização.



Ao contrário disso tudo, Thereza Jessouroun optou pela simplicidade de uma câmera atenta diante de rostos descobertos e consciências apaziguadas. As mulheres que concordaram em expor suas razões para terem interrompido a gravidez se aliaram à coragem da realizadora para falar com franqueza de um tabu que ainda impera em grande parte da sociedade brasileira.



Fim do Silêncio não é um panfleto a favor da descriminalização do aborto, mas um libelo tranquilo contra o fundamentalismo que teima em se opor à natureza e à ciência. Os relatos e argumentações dessas mulheres, colhidos nos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, são pontuados por pílulas de informação sobre saúde pública e impasses legislativos. Nada mais que isso. Palavras faladas ou escritas que descortinam um quadro assustador de desrespeito e violência contra a individualidade feminina.



A evolução do projeto de Thereza é um exemplo eloquente da dinâmica de produção dos documentários. Ela pretendia, inicialmente, tecer uma trama de opiniões que dessem conta do debate em torno do assunto, envolvendo praticantes do aborto, cientistas e políticos. Na montagem, porém, verificou que esse formato enfraquecia o filme. Tal era a força dos depoimentos das mulheres que ela optou por ficar exclusivamente com eles. E é justamente a agudez e a inteireza dessas falas que dão ao filme o seu caráter irrefutável, a sua eficácia cabal.



A discussão, portanto, fica no extra-quadro, a partir das questões colocadas pelas protagonistas. Ali a opção pela não-gestação se justifica por razões afetivas, econômicas, de poder familiar ou simplesmente de estilo de vida. Assim, o filme cumpre sua função de provocar o debate sobre a escolha da mulher do que fazer com seu corpo e com sua responsabilidade social. Não há apologia do aborto, mas tão-somente a defesa do direito de escolher, para além de dogmas religiosos e convicções obscurantistas.



Em suas primeiras exibições – e mesmo antes delas -, Fim do Silêncio já demonstrou sua capacidade de mobilização, contra e a favor. O fato de ter sido viabilizado por um edital público gerou protestos entre os que veem o estado como um ente amorfo que deve se manter à margem das grandes indagações da sociedade. Felizmente, não é esse o país em que vivemos hoje. O entendimento do aborto como uma questão de saúde pública é um progresso que independe de paixões e doutrinas. Este documentário, embora nascido de um desejo autoral, acaba sendo um dos produtos mais visíveis dessa nova concepção.



Para Thereza Jessouroun, é uma confirmação de talento, sensibilidade e adequação entre ideias e formulação audiovisual. Em alguns de seus trabalhos, a realizadora já abordou o mundo dos travestis (Alma de Mulher), dos famintos (Vida Severina, ainda inédito), dos descendentes de quilombolas (Os Arturos) e dos portadores de Alzheimer (Clarita). Com Fim do Silêncio ela dá um passo à frente – e também à frente de uma polêmica que precisa ser vivida dessa maneira: aberta, direta e com todas as palavras.

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