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SOLANAS: SEIS IMAGENS DA ARGENTINA

24.07.2010
Por Carlos Alberto Mattos
HOLA, SOLANAS!

Fernando Solanas é figura fácil de encontrar no Brasil. Seu amor pelo país consubstanciou-se numa esposa brasileira e num relacionamento muito próximo com diversos realizadores daqui. Mas não é toda hora que ele vem trazendo seus principais documentários para uma mostra como Solanas: Seis Imagens da Argentina, que começou sexta-feira no Instituto Moreira Salles (Rio).



Solanas esteve lá no dia da abertura para apresentar seu filme mais recente, Terra Revoltada: 1. Ouro Impuro (leia mais abaixo), e estará no domingo para fazer o mesmo com o clássico A Hora dos Fornos: 1. Neocolonialismo e Violência. Entre um e outro, fará um debate no sábado com José Carlos Avellar.



Como se vê, Solanas gosta de documentários em série. Memórias do Saque(2004), A Dignidade dos Ninguéns (2005) e Argentina Latente (2006) formavam uma trilogia sobre as crises políticas e econômicas que atingiram o país na década. Seus docs não se querem fechados em si mesmos. Desdobram-se em análises sucessivas, cobrindo aspectos variados de um mesmo fenômeno. Além disso, almejam ser algo mais que filmes. Pretendem mobilizar o público e despertar consciências para o que Solanas considera expropriação das camadas populares e descaminhos na condução do seu país. Talvez hoje não tanto quanto em 1968, quando A Hora dos Fornos chegava a ter cartelas inquirindo diretamente o espectador ou sugerindo interromper a projeção para um debate.



Esse filme de 260 minutos de duração (do qual será exibida apenas a primeira parte, de 85 minutos) fez a cabeça do documentarismo latino-americano dos anos 1970 e exerceu forte influência também no Brasil. Maurice Capovilla, em seus Faróis para o antigo DocBlog, o citou como “o começo e o fim de uma visão crítica da América Latina e por isso mesmo o testamento premonitório de uma geração criadora e revolucionária que perdeu o seu destino”.



O trabalho de Solanas continua sendo referência de doc político sem meias-tintas, baseado com franqueza nas convicções de seu realizador. Solanas é um raro exemplo de homem que faz cinema e política profissional ao mesmo tempo. De ascendência peronista, foi candidato à presidência argentina em 2007 e hoje é deputado pelo Partido Socialista Autêntico, integrante do Movimento Proyecto Sur. A identificação entre cinema e projeto político fica clara no seu penúltimo filme, A Última Estação, em que discute o sucateamento das ferrovias argentinas. O lema “Trem para Todos” é destaque na página oficial do PSA na internet.



A mostra do IMS se concentra nos docs, mas é bom não esquecer que “Pino” Solanas pode ser um ficcionista inspirado, como em Tangos – O Exílio de Gardel, ou pesadão e alegórico, como em Sur, A Viagem e A Nuvem. Se fosse o caso de escolher, eu também ficaria com a não-ficção.





POR UM PUNHADO DE PESOS



Em ritmo de road-doc, Fernando Solanas percorre províncias longínquas do noroeste argentino para denunciar o neocolonialismo das mineradoras estrangeiras em Tierra Sublevada: 1. Oro Impuro. O filme, que será reprisado em duas sessões na próxima terça-feira, na mostra do Instituto Moreira Salles (Rio), é apresentado como quinto capítulo de uma grande investigação político-econômica do país, seguindo-se a Memória del Saqueo, La Dignidad de los Nadies, Argentina Latente e La Última Estación.



Para quem conhece bem a obra documental de Solanas, Oro Impuro não traz grandes novidades além de um ritmo mais fluido e paisagens impressionantes. De resto, é a mesma maneira franca e engajada de lidar com assuntos que dizem respeito a suas posições dentro da agenda política argentina. Solanas assinala focos de corrupção e desmandos governamentais, ao mesmo tempo em que louva a ação dos que resistem nas organizações populares.



Desde que Menem entregou o subsolo argentino às concessões para mineração a céu aberto, o discurso do progresso e do enriquecimento vem servindo para encobrir a exploração multinacional a preços vis e a contaminação do meio-ambiente. Solanas visita localidades abandonadas, amostras de deterioração do sistema ecológico, grupos de professores e pequenos profissionais liberais envolvidos na luta contra o saque e a contaminação. Esmiuça um incrível conluio entre governantes, empresários e até universidades para minimizar os efeitos danosos daquele tipo de mineração em troca de bons punhados de pesos.



Não há espaço para as tais “razões dos dois lados”. Solanas é um documentarista com partido (em ambos os sentidos). Autoritário, corta a palavra do inimigo quando bem entende. Narra a História e a atualidade conforme seu ponto-de-vista, e o faz claramente, dramatizando aqui e ali sua presença como engenheiro de sua própria opinião. A mise-en-scène que às vezes percebemos, especialmente no contato afetuoso com os ativistas ambientais, deixa patente que o diretor está, mais que flagrando coisas, construindo um arrazoado que soe sintético e efetivo. São recursos do doc político, que Solanas maneja com rara sobriedade e grande sinceridade.



O segundo capítulo de Tierra Sublevada será Oro Negro, sobre a exploração de petróleo.

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