A mostra Odete Lara, Atriz de Cinema ficou apenas uma semana (de 10 a 15 de maio) no CCBB do Rio. Mas estará em cartaz por duas semanas em Brasília (17 a 29/5) e em São Paulo (01 a 12/6), havendo nessas cidades mais oportunidade para conhecer os filmes incluídos na programação.
Existe a rara oportunidade de conhecer o experimental Câncer, de Glauber Rocha, 1972, (exibições em Beta) assim como, A Rainha Diaba, de Antonio Carlos Fontoura, ’74.
Boca de Ouro, de Nelson Pereira dos Santos (1962, baseado em Nelson Rodrigues), traz um dos desempenhos mais elogiados da atriz que se destaca também em Noite Vazia, um filme de Walter Hugo Khoury que representou o Brasil em Cannes ’65 e é tido como o melhor do diretor mesmo por aquela parte da crítica e do público que não o considera um grande cineasta. Seu nome, entretanto, é respeitado por muitos críticos atuais, diferentemente de quando seus filmes eram lançados, dividindo a crítica da época, especialmente aquela mais engajada politicamente.
Esta questão de engajamento político pode trazer um ângulo que talvez não tenha sido levado em conta quando Copacabana me engana foi lançado, em pleno 1968. Revisto hoje, o filme parece ser um perfeito “negativo” do imaginário sobre aqueles anos: Irene (Odete Lara), Alfeu (Paulo Gracindo, marcante), os familiares (pai, mãe e irmão) de ‘Marquinhos’ (Carlos Mossy), seus amigos e especialmente o próprio Marquinhos passam ao largo dos temas políticos associados ao “ano que não terminou” - como a escalada da ditadura militar e as revoltas estudantis.
Quando um personagem fala em “vietcong” não é para discutir a Guerra do Vietnam , é para aludir ao que também se chama de “programa de índio” ou “programa furado”. Uma reunião de sindicalistas, já perto do final, é motivo de zoação por parte dos rapazes da turma de Marquinhos. O que “entra” pelos ouvidos são os sons da TV (Chacrinha, novela, filme musical americano, qualquer coisa). E de muitas músicas que eram bem recentes, com destaque para Baby, de Caetano Veloso, cantada por Gal Costa. Mas também escutamos Os Mutantes do primeiro vinil, cantando “Batmacumba”, Jorge Ben e Françoise Hardy. Há um pouco de Bossa Nova instrumental além de trechos de uma faixa de um dos maiores discos brasileiros de todos os tempos, o “Coisas” do maestro Moacir Santos (que havia sido o arranjador do LP que Odete Lara gravou com Vinicius anos antes).
Em outra clave, há Nora Ney e a dor de cotovelo da década anterior, assim como um trecho de Altemar Dutra na trilha diegética, o que faz sentido para os personagens fora da faixa mais jovem, assinalando-se que o desfecho do filme cabe aos pais de ‘Marquinhos’.
O que se vê na tela é uma fatia de uma “maioria silenciosa” carioca inteiramente alienada do mundo à sua volta, mundo que fazia muito barulho por quase nada em termos de resultados efetivos. Afinal, a ditadura só encerrou seu triste ciclo quando quis. Mas na época muitas músicas “engajadas” anunciavam um metafórico e óbvio sol que iria raiar, com certeza – o que não se cumpriu tão rapidamente como previsto poeticamente...
Visto hoje em dia, Copacabana me engana antecipa uma geração mais ‘yuppie’ do que hippie – afinal, como diz a mãe (Licia Magna) sobre os filhos: “Eles são nossa continuidade”. Continuidade pequeno burguesa e pouco interessada no que seria coletivo pelo aprisionamento ao umbigo que “precisa escutar a nova canção do Roberto”, acreditando viver “na melhor cidade da América do Sul”...
Certamente outros filmes da mostra que tem como eixo a presença da principal estrela do cinema brasileiro dos anos 1960 e até metade dos anos ’70 oferecerão outros ângulos que retratam o Brasil de então. Afinal, os cineastas vão de Anselmo Duarte a Glauber, de Nelson Pereira a Khoury...
E o catálogo da mostra faz jus à beleza da atriz, recheado com textos de, entre outros, Hernani Heffner, João Juarez Guimarães (curador) e de três colaboradores do ciritcos.com.br : Daniel Schenker, Luiz Fernando Gallego e Leonardo Luiz Ferreira (coordenador editorial da mostra).