Especiais


MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO

02.11.2011
Por Daniel Schenker
O MUNDO EM ESCALAS DIVERSAS

Habemus Papam , Perdão de Sangue e Las Acacias são filmes que abordam o mundo em escalas variáveis. O primeiro, dirigido por Nanni Moretti, é uma comédia sobre a suspensão coletiva causada pela repentina crise que invade o novo Papa, escolha mais que improvável na eleição no conclave; o segundo, assinado por Joshua Marston, aborda a oposição entre duas famílias, a partir do momento em que o representante de uma delas se envolve numa briga que resulta na morte de um dos integrantes da outra; e o terceiro, de Pablo Giorgelli, fecha a câmera em torno de dois personagens, que viajam de caminhão do Paraguai até a Argentina. Como o foco ampliado ou reduzido de seus filmes, os cineastas também acumularam diferentes graus de experiência até agora: Moretti é nome mais que reconhecido em âmbito internacional; Morton assinou um filme de destaque – o ótimo Maria Cheia de Graça . E Giorgelli venceu o prêmio Camera d’Or para melhor diretor estreante no Festival de Cannes.



Nanni Moretti comprova que continua afiado no humor. Diverte bastante ao mostrar a desestabilização de um cardeal que, eleito Papa, sucumbe diante do peso do cargo. “Minha cabeça está cheia e eu não sei do que. Uma sinusite psíquica”, resume. Moretti interpreta um psicanalista chamado para tratar do Papa. Privacidade, porém, está fora de questão. Assistido pelos demais cardeais, não pode perguntar sobre mãe, sexo, sonhos, desejos não realizados – só eventualmente a respeito da infância, mas com muita discrição. O diretor estrutura seu filme sobre três planos: a nova função do psicanalista, que, diante da impossibilidade de colocar o Papa em análise, começa a entreter os cardeais; a ocultação da fuga do Papa por um funcionário estrategicamente colocado no quarto do Pontífice; e a lucidez que o Papa adquire nas experiências no mundo externo. Entre elas, revive seus tempos de ator de teatro ao se deparar com a dramaturgia de Anton Tchekhov – não por acaso, o autor que retratou personagens de vidas abortadas, que não realizaram o que gostariam de ter feito.



Joshua Marston destaca a perspectiva de adolescentes obrigados a viver praticamente confinados dentro de casa depois que o pai se envolve numa briga que termina com a morte do vizinho desafeto. É o que determina o rígido código de conduta Kanun, em vigor no norte da Albânia. A depressão dá lugar à revolta, fases atravessadas por Nik, inconformado diante do cotidiano interrompido. Com o destemor dos 17 anos, não hesita em confrontar os algozes de sua família. Em destaque a expressiva utilização da luz no jogo entre claro e escuro na captação dos rostos dos atores.



Pablo Giorgelli limita seus dois personagens ao espaço reduzido de um caminhão durante boa parte da projeção de Las Acacias . É nele que viajam Rubén, Jacinta e a pequena Anahí, de oito meses. Na travessia entre Assunção e Buenos Aires, os dois primeiros passam longos períodos em silêncio. O diretor não força a relação dos personagens. A empatia entre eles não advém de um esforço ou de uma ansiedade em manter uma conversação, mas justamente dos instantes “genuínos” em que ela acontece. De início, fornecem informações gerais sobre suas vidas. Aos poucos, revelam dados um pouco mais específicos. Em vários momentos em que simplesmente observam um ao outro, os personagens parecem portar um texto não-escrito. Giorgelli investe na veracidade, seja através de atuações distantes da representação, seja por meio da “documentação” da travessia do Paraguai até a Argentina, destacando a transformação da paisagem ao longo do percurso. O espectador viaja junto, em boa parte devido à captação do som ambiente.

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