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VIDAS AMARGAS (IMPRESSAS EM DÓLAR)

14.09.2012
Por Luiz Fernando Gallego
A VIDA IMPRESSA EM DÓLAR

Em 1955, logo após o sucesso de Sindicato de Ladrões, o cineasta Elia Kazan lançou sua versão para as telas do romance A Leste do Éden, de John Steinbeck, best seller de 1952, ano em que Kazan havia filmado o roteiro do mesmo escritor para Viva Zapata! A presença marcante de Marlon Brando nesses filmes, tal como em Uma Rua chamada Pecado, não foi, entretanto, mais impactante do que o carisma de James Dean em East of Éden, título original de VIDAS AMARGAS. Estreando como protagonista nas telas grandes com jeito de “maior abandonado”, gauche e sedutor, James Dean teve seu rosto jovem eternizado na memória coletiva devido à inesperada e trágica morte em acidente automobilístico apenas 6 meses após o lançamento deste filme. Ele tinha 24 anos de idade.



A imagem congelada de seu semblante atormentado nos personagens dos únicos 3 filmes em que teve papéis centrais criou um mito que pode ser debatido à luz de uma das abordagens psicanalíticas do Cinema: a que enfoca fenômenos sócio-culturais decorrentes do enorme investimento libidinal das plateias em figuras marcantes da tela, tal como Freud abordou o lugar do líder no texto de 1921 A Psicologia das Massas e análise do Eu.



Ator e personagens formaram uma imagem que deu voz manifesta aos impasses latentes da juventude americana criada ao longo da II Guerra em um sistema de relações familiares e sociais definidas pela atitude distante e rígida de mães submissas a imperativos psicopedagógicos estritos e apagamento da figura paternal (até mesmo ausente devido à guerra).



Sua persona era uma fusão do comportamento instável do ‘Jimmy’ Dean real com a conduta errática de seus tipos ficcionais, parecendo sofrer muito na escolha de um caminho próprio entre pai e mãe, e daí surgindo como “solução” (e nova questão) a postura do “rebelde sem causa” (título original de seu filme seguinte, Juventude Transviada) que explode em "fúria de viver" (título francês de Rebel Without a Cause).



Mas é em VIDAS AMARGAS que o doloroso caminho entre pai e mãe surge de modo radical. O ator foi órfão de mãe aos 9 anos, e o personagem ´Caleb´, ao qual ele deu vida (levando Steinbeck, a dizer que “ele é Caleb”) também foi criado como órfão de mãe ao lado do irmão gêmeo, Aron. Só que já na abertura do filme (que utiliza apenas o terço final do livro com a evidente paráfrase da narrativa bíblica sobre Caim e Abel), Caleb sabe que a mãe está viva - e bem sucedida, ainda que como dona de um bordel. Embora seja nomeada Kate, não podia ser outra, em ’54, ou quando a história se passa, em 1917, a imagem da mulher-Eva, atraída pela serpente e deslocando o homem para “Leste do Éden”, longe do Paraíso.



Antes de tentar fazer com que a mãe aceite recebê-lo, Caleb almeja sentir-se amado pelo pai, nada sutilmente batizado de Adam. Como no livro do Gênese, Aron/Abel é o filho preferido e Caleb/Caim sofre de inveja pela rejeição mais do que advinda de um mero Adão humano: ela vem da representação de um pai que é como um Deus-pai, leitor da Bíblia e indiferente às perdas financeiras. É na dicotomia entre pai hierático que perde o patrimônio material e a mãe decaída - mas rica - que surge a ênfase do capital nesta trama de um Steinbeck menos voltado para os miseráveis (como em Vinhas da Ira, de ‘39, filmado por John Ford em 1940).



É dinheiro o que move o enredo do filme de um Elias Kazan afastado do comunismo e que aceitou denunciar antigos companheiros junto à perseguição do MacCarthysmo - fato pelo qual ficou negativamente marcado, a despeito da admiração por sua capacidade de revelar talentos, dirigir atores e desenvolver a narrativa imagética com belos planos no Cinemascope de VIDAS AMARGAS.



Em um momento-chave do filme, Caleb quer obter o amor do pai dando-lhe uma boa soma de dinheiro pois quando os EUA ainda não haviam entrado na I Guerra o rapaz havia investido o que conseguira obter da mãe em plantações, beneficiando-se da valorização dos alimentos após a entrada do país no conflito. Mas tal como o Deus bíblico, o pai rejeita a oferenda sacrificial de Caleb/Caim, e o ator James Dean desconcertou Raymond Massey (veterano ator que fazia o papel do pai) ao improvisar um abraço desesperado enquanto deixava as notas escorrerem de suas mãos pelas costas do constrangido colega mais velho (ou do pai de Caleb na ficção)



Com a mãe afastada, o triângulo edípico é transferido para o irmão Aron e sua noiva, cada vez mais atraída por Caleb e que se considera uma pessoa “ruim” - tal como Caleb se vê, mais herdeiro do caráter materno do que paterno. O aspecto “ruim” autocriticado pela moça e por Caleb é o tema central de Clamor do Sexo que Kazan vai filmar anos depois, em 1960, também situado décadas antes, em 1928. A noiva de Aron o descreve de modo a sugerir que o desejo sexual que ela sente não faz parte do modo como Aron se comporta, enquanto Caleb é sempre elogiado como muito bonito e capaz de ter mulheres a seus pés - incluindo esta moça.



Mesmo com limitações na abordagem da sexualidade, face à censura da época, pode-se perceber elementos que guiam e problematizam o sonho americano de sucesso e deixam a impressão de que essas vidas - tão amargas - foram impressas em dólares e em um misto de desejo e repressão sexuais.

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