Especiais


45º FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO

18.09.2012
Por Daniel Schenker
FESTIVAL DE BRASÍLIA

PREMIAÇÃO:



LONGA-METRAGEM DE FICÇÃO



Filme - Eles Voltam e Era uma vez eu, Verônica

Direção – Daniel Aragão ( Boa Sorte, meu Amor )

Ator – Enrique Diaz ( Noites de Reis )

Atriz – Maria Luiza Tavares ( Eles Voltam )

Ator Coadjuvante – W.J.Solha ( Era uma vez eu, Verônica )

Atriz Coadjuvante – Elayne Moura ( Eles Voltam )

Roteiro – Marcelo Gomes ( Era uma vez eu, Verônica )

Fotografia – Mauro Pinheiro Jr. ( Era uma vez eu, Verônica )

Direção de Arte – Gatto Larsen e Rubens Bardot ( Esse Amor que me Consome )

Trilha Sonora – Karina Buhr e Tomaz Alves Souza ( Era uma vez eu, Verônica )

Som – Guga S. Rocha, Phelipe Cabeça e Oablo Lopes ( Boa Sorte, meu Amor )

Montagem – Ricardo Pretti ( Esse Amor que nos Consome )

Menção Especial do Júri – Carlo Mossy ( Boa Sorte, meu Amor )

Prêmio da Crítica / Júri Abraccine - Eles Voltam

Júri Popular - Era uma vez eu, Verônica

Prêmio Vagalume - Era uma vez eu, Verônica



LONGA-METRAGEM DE DOCUMENTÁRIO



Filme - Otto

Direção – Petra Costa ( Elena )

Prêmio Especial do Júri – Um Filme para Dirceu

Fotografia – Cao Guimarães e Florencia Martínez ( Otto )

Direção de Arte - Elena

Trilha Sonora – O Grivo ( Otto )

Som – O Grivo ( Otto )

Montagem – Marília Moraes e Tona Baz ( Elena )

Júri Popular - Elena

Prêmio Marco Antonio Guimarães - Olho Nu

Prêmio Troféu Saruê - Doméstica





SEXTA NOITE



Elena



Elena é um documentário construído a partir de depoimentos pessoais – da personagem-título, da irmã mais nova e diretora do filme, Petra Costa, e da mãe das duas, Li An. As falas giram em torno de Elena, adolescente que migra para Nova York em busca de oportunidades profissionais como atriz (apesar de integrar o promissor grupo Boi Voador, conduzido por Ulysses Cruz) numa época em que já evidenciava sinais de depressão. Petra lembra que, após a separação dos pais, Elena “começa a se distanciar”. A figura do pai, inclusive, é mencionada muito discretamente ao longo da projeção.



Desestimulada diante da falta de convites no exterior, Elena volta ao Brasil e, pouco tempo depois, retorna aos Estados Unidos para fazer faculdade, agora ao lado da mãe e da irmã. Mas o quadro depressivo se agiganta. “Aquele eu descontrolado voltou”, diz Elena, em dado instante. Petra empreende uma presentificação do passado da irmã através de uma câmera-olho que registra imagens embaçadas, fugidias, imprecisas. Talvez seja uma forma de assinalar que a evocação do passado implica sempre numa ficcionalização do real, uma vez que as lembranças não trazem à tona os fatos como se deram, e sim alterados por acréscimos e subtrações decorrentes da passagem do tempo. Elena reúne momentos bastante impactantes – como o da leitura de um laudo, sem som. Entretanto, sofre um pouco com o registro vocal de Petra, excessivamente monocórdio, na narração e com certo excesso estético.





Esse Amor que nos Consome



Allan Ribeiro faz de Esse Amor que nos Consome um filme sobre processos, tanto no que se refere à crescente apropriação de Gatto Larsen e Rubens Barbot de uma casa no centro do Rio de Janeiro, que passa a servir de moradia e sede da companhia de dança que capitaneiam, quanto da gestação do novo trabalho, uma versão de Othello , tragédia de William Shakespeare.



Gatto Larsen e Rubens Barbot se instalam na casa e, seguros devido à crença em seus orixás, não desestabilizam com as constantes visitas de possíveis compradores interessados em se valer do imóvel para finalidades nada culturais. Realizam ocasionais intervenções urbanas na cidade, lembrando um pouco as coreografias dos bailarinos de Pina Bausch por Wuppertal recentemente apresentadas no documentário Pina . Não por acaso, há um cartaz de Café Müller no espaço de Larsen e Barbot.



A cidade impera na tela. Os personagens palmilham a cidade deserta durante o dia e a noite. A casa tem sempre janelas abertas para a rua. Há uma excelente sequência centrada na ronda de garotos de programa durante a madrugada. A passagem que, de início, parece documental se torna coreográfica. Uma sinalização precisa do trabalho de Allan Ribeiro (que já abordou Larsen e Barbot num excelente curta-metragem, Ensaio de Cinema ) sobre a interface entre ficção e documentário.





QUINTA NOITE



Olho Nu



Joel Pizzini não confina Ney Matogrosso no formato de uma cinebiografia tradicional, mas freia sua tendência à experimentação no documentário Olho Nu . Há, claro, determinadas operações propostas. A principal: a voz de Ney, em off, conduz o espectador por uma travessia entrecortada por trechos de muitas músicas e por fragmentos de shows e entrevistas, recuperados por meio de extensa pesquisa em material de arquivo. Uma oportunidade de perceber que o cantor não permaneceu o mesmo ao longo do tempo. Na relação com o público, por exemplo, trocou a provocação por uma abordagem mais amorosa.



São restritas as imagens de Ney Matogrosso no presente, flagrado, vez ou outra, em seu apartamento, no Rio de Janeiro e na casa de campo. Pizzini opta pela exposição de um encadeamento cronológico de fatos, mas, a partir de dado instante, rompe com essa organização e passa a salpicar emblemáticas declarações de Ney. É possível perceber uma ocasional complementaridade entre a fala e a música, como se a primeira introduzisse a segunda numa articulação um pouco óbvia.



Filme de ambição algo totalizante, que procura cobrir grande parte da trajetória de Ney (apesar dos pouquíssimos registros de suas atuações no cinema, em produções como Sonho de Valsa ou a recente Luz nas Trevas ), Olho Nu pode ser visto como um trabalho centrado na questão do corpo. “Eu não acho que tenho um corpo bonito, mas uso como se fosse”, afirma Ney, em certo momento, exuberante no palco, discreto na vida. O elo libertário com o corpo – como Kazuo Ohno, mestre do butoh mencionado ao final – é evidenciado através de sua conexão visceral com a natureza.





Noites de Reis



Em Noites de Reis , Vinicius Reis – que trocou a atmosfera de classe-média da Tijuca, ambiente do simpático Praça Saens Peña , pela do centro histórico de Paraty – enfoca uma tragédia familiar: após a perda do filho, queimado no incêndio da própria casa, o pai desaparece e a mãe tenta reconstruir a vida ao lado da filha. A partir da volta do pai, os laços são reestruturados em nova configuração.



O diretor investe num filme econômico nas falas. Os personagens têm considerável dificuldade de expressar o que sentem. Quando expressam, falam de modo indireto (o pai afinando o tambor e explicando sobre a rabeca para a filha) através de um assunto diverso ou de uma ação (o pai esfregando vertiginosamente a parede). Há uma espessura entre o dito e o não-dito que norteia as interpretações de Enrique Diaz (especialmente bem) e Bianca Byington.



A comemoração da tradicional Folia de Reis emoldura a tragédia familiar, limitando-se a apresentar e encerrar o filme. Talvez pudesse ter sido mais entrelaçada à dramaturgia, de modo até a eventualmente contrastar com o registro realista do todo. O destaque à restauração das casas do centro histórico soa óbvia numa história centrada em latentes conflitos reprimidos. Falta certa força a Noites de Reis , que, porém, atravessa pouco mais de 90 minutos de maneira bastante fluente e suave, contabilizando mais acertos do que erros.





QUARTA NOITE



Doméstica



Gabriel Mascaro sugeriu que alguns adolescentes filmassem suas empregadas durante certo espaço de tempo. Daí surgiu o documentário Doméstica , um painel da relação patrão-empregado. Houve a preocupação em investir num panorama heterogêneo por meio da escolha de casas localizadas em diferentes regiões do Brasil e de níveis sociais e econômicos também diversos. Entretanto, os depoimentos sugerem certa homogeneidade: as empregadas tendem a revelar histórias de vidas trágicas, ligadas a problemas ou perdas de filhos e a agressões dos maridos, e a relação entre patrões e empregados parece pouco conflituosa. Vários empregados são descritos como integrantes das famílias. A hierarquia foi, provavelmente, suavizada devido à abordagem dos jovens entrevistadores e à dificuldade de admitir (tanto do lugar do patrão quanto do empregado) de maneira franca, diante da câmera, as regras muitas vezes presentes na base desse vínculo empregatício.



A última entrevista evidencia um pouco mais a tensão. Patroa e empregada se conhecem há bastante tempo, mas não se relacionavam exatamente segundo molde hierárquico. A partir de um dado momento, o elo se metamorfoseou num sistema de trabalho mais tradicional. A primeira admite que precisou se impor como patroa; a segunda se diz conformada com o que chama de “amadurecimento da relação”. Nos demais elos entre patrões e empregados, apesar da idealização se impor de forma mais destacada, existem dados interessantes: uma empregada se senta à mesa com a família para a comemoração do shabat e conta que prepara as comidas típicas em casa; a outra optou por fazer o serviço de madrugada e alterna uma alegria esfuziante com instantes de depressão; e há um homem que começou a trabalhar como empregado após a derrocada de seus elos familiares. Mascaro registra ainda determinadas características sociais, como a de empregadas domésticas que passaram a ter suas próprias empregadas.





Era uma vez eu, Verônica



Em Era uma vez eu, Verônica, não há propriamente um enredo sendo desenvolvido diante do público –pelo menos, não nos moldes convencionais. O diretor Marcelo Gomes, louvado por Cinema, Aspirinas e Urubus , fecha o foco em torno da Verônica do título (interpretação visceral de Hermila Guedes), médica que, ao se lançar na prática profissional, se depara com a dificuldade de auxiliar os pacientes. Afinal, ela sente necessidade de receber ajuda diante dos obstáculos que enfrenta na administração da vida pessoal. Mantém sólido vínculo afetivo com o pai (W.J. Solha, ótimo), mas prioriza, nos relacionamentos com os homens, a instantaneidade do sexo em detrimento de elos mais verticalizados. Aos poucos, Verônica começa a se colocar no lugar dos outros e deixa de se impor formatos de relação nos quais não consegue se enquadrar. Libertária na intimidade, centrada no trabalho e em casa, a protagonista não desponta como uma figura esquemática ou que possa ser reduzida a um contraste maniqueísta.



Em seu consultório, Verônica constata que os problemas enfrentados pelos pobres não se resumem às costumeiras mazelas de saúde. Há muita coisa que não se explica ou para a qual não se encontra solução imediata. Os menos abastados têm subjetividade (“Não há motivo para eu ficar assim. Então, por que eu fico?”, questiona uma paciente depressiva), parece lembrar Marcelo Gomes ao homenageá-los na ficção através de closes nos infinitos rostos de pacientes à espera de atendimento em hospitais públicos. A própria Verônica não sabe o que fazer com o “sentimento de perda que invade a alma” a partir da revelação da doença grave do pai, apesar da música que canta logo no início do filme (“quem está sozinho não tem saudade, está acompanhado da recordação”). Em todo caso, não é fácil lidar com as perdas, a exemplo da passagem em que o pai, colecionador de vinis, comenta, com evidente travo nostálgico, sobre a decadência no centro do Recife.





TERCEIRA NOITE



Otto



Cao Guimarães presta homenagem à mulher, a uruguaia Florencia Martínez, por meio de um documentário em que registra a gestação do filho – o Otto do título. É marcante a opção por filmar Florencia em close, como se o diretor pretendesse desvendá-la, o que acaba se revelando obviamente impossível. Nesse paradoxo reside o mais interessante em Otto .



Por mais próxima que a câmera esteja do corpo dela, não há como empreender uma radiografia. Como saber de fato o que ela sente ou como vê o mundo? Mesmo assim, Cao destaca o olhar da mulher diante da descoberta de uma cultura diversa. “Seus olhos querem ver”, exclama, em dado momento. Otto bate na tela como um exercício poético de registro do cotidiano através de imagens contemplativas, frequentemente destituídas de fala, nas quais imperam as manifestações da natureza.





Boa Sorte, meu Amor



Mais do que a abordagem da relação passional entre Dirceu e Maria, Boa Sorte, meu Amor desponta como um filme sobre espaços. O diretor Daniel Aragão filma Recife como uma cidade fálica, repleta de arranha-céus que se acumulam ou se impõem pelo contraste na paisagem. Apartamentos assépticos, propriedades austeras e teatros suntuosos (Santa Isabel) são mais que simples locações. A tendência de apagar a história para dar lugar a um moderno descaracterizado é evidenciada através das demolições.



Aos poucos, os personagens rumam em direção ao interior do estado. Dirceu, protagonista da história interpretado por Vinicius Zinn, encontra um sertão algo descaracterizado e decadente e empreende uma jornada de desnudamento simbolizada pelo confronto com um espaço isolado e vazio. Dirceu e Maria renegam as próprias origens nos discursos, mas o desdém parece se resumir à esfera da fala. Sentem-se, na verdade, atados ao lugar de onde vieram.



Ainda assim, as motivações que levam cada um a empreender uma viagem de retorno não são totalmente convincentes. No caso de Maria, o desaparecimento em decorrência da descoberta de uma gravidez soa algo inverossímil; no de Dirceu, a paixão desesperada por ela, que o encaminha na direção de um processo de crescente desestabilização, soa exagerada. Boa Sorte, meu Amor merecia um roteiro mais trabalhado, até porque Daniel Aragão tem o que dizer. O diretor tangencia interessante estranheza em algumas cenas, mas sobrecarrega o filme com a excessiva estilização das imagens. Afinal, investiu boa parte de suas fichas na excelência da fotografia em preto e branco (de Pedro Sotero), da trilha sonora (Jimi Tenor) e do som (Guga S. Rocha, Phelipe Cabeça e Pablo Lopes).





SEGUNDA NOITE



Kátia



Kátia Tapety acumula feitos notáveis. Foi a primeira travesti eleita a cargo político no Brasil (vereadora e vice-prefeita). Enfrentou de frente o preconceito no interior do Piauí, aparentemente mais intenso dentro da família (repete mais de uma vez a frase do pai: “O homem que é veado tem que morrer”) do que na sociedade. E adotou uma criança. Contundente, não hesita em afirmar: “Não sei o que eu sou. Sou mulher, mas faço serviço de homem”.



Documentário de Karla Holanda, Kátia louva o destemor e a ousadia da personagem, cuja empatia conquistou o público no Festival de Brasília. Seu valor como obra cinematográfica não se limita a essa proposta, mas também não a ultrapassa muito. Especialmente na parte final, o filme ressalta, por meio de depoimentos, a importância da luta contra a discriminação no Brasil. E apresenta o espectador ao contraste entre a bem-cuidada Oeiras (36 mil habitantes) e a quase esquecida Colônia do Piauí (oito mil moradores), separadas apenas por 20 quilômetros.





A Memória que me Contam



Lucia Murat retoma o universo da ditadura militar optando, acertadamente, pelo intimismo, ao invés de se valer, de modo mais previsível, da contundência. A Memória que me Contam é um filme em tom menor – e aí reside a sua força. A evocação de acontecimentos históricos emblemáticos surge bem entrelaçada na estrutura ficcional concebida pela diretora em parceria com Tatiana Salem Levy, ambas autoras do roteiro.



O espectador é apresentado aos poucos aos personagens. Passado e presente são entrelaçados com habilidade na montagem de Mair Tavares. A partir de determinado instante, a situação básica proposta pela cineasta se impõe: a reunião de um grupo de amigos, todos militantes em décadas passadas, em torno de Ana (Simone Spoladore), ex-guerrilheira internada num hospital entre a vida e a morte. A evocação de As Invasões Bárbaras , de Denys Arcand, é quase inevitável, com vantagem, na comparação, para a produção brasileira.



Lucia Murat destaca a diretora de cinema Irene, com quem tem afinidades evidentes. Não por acaso, a personagem é interpretada por Irene Ravache, a mesma atriz do excelente Que Bom te ver Viva , filme em que Lucia colheu depoimentos de mulheres torturadas durante o regime militar. A diretora concilia a discrição com questões polêmicas ou emergenciais. Ao final da projeção, Ana (que remete diretamente a Vera Silvia Magalhães, a quem o filme é dedicado, que participou do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick) pergunta qual o sentido de continuar viva. A lucidez, a consciência e a própria sobrevivência têm um peso inegável para muitos dos que passaram pelos horrores dos anos de chumbo.



Lucia Murat traz a discussão para o mundo de hoje, mostrando o equilíbrio delicado entre a postura ética e as pressões do sistema administrado por antigos militantes que chegaram ao poder e as mudanças comportamentais evidenciadas por meio do relacionamento entre dois namorados. Há evidente sensibilidade na abordagem do vínculo homossexual, ainda que esse plano não se amalgame de maneira totalmente orgânica no todo.





PRIMEIRA NOITE



Um Filme para Dirceu



O título desse documentário que abriu a competição do Festival de Brasília informa sobre a natureza da proposta: trata-se de um projeto de Dirceu Cieslinski, o personagem, e não propriamente da diretora Ana Johann. A ideia inicial de Dirceu era canalizar a sua experiência pessoal (principalmente no que se refere à perda do movimento nas pernas após intensa dor na coluna que o confinou à cadeira de rodas durante um ano) para uma ficção. Ana o convenceu a fazer um documentário.



De início, Um Filme para Dirceu bate na tela pela via da superação, tanto no que diz respeito ao esforço para voltar a andar quanto à dificuldade de angariar verba para a viabilização da produção. Coube a Dirceu, músico de São Bento do Sul, correr atrás de recursos para concretizar a empreitada. A partir de um determinado momento, porém, Dirceu e Ana perdem de vista esse foco. O documentário se torna disperso e passa a registrar as peripécias amorosas de Dirceu, descritas em repetitivas conversas ao telefone com Ana.





Eles Voltam



Dois irmãos são deixados pelos pais no meio de uma estrada após brigarem dentro do carro. O irmão sai à cata de ajuda e some. O diretor Marcelo Lordello mostra a volta para casa da menina, Cris. Um retorno marcado pelo encontro com um mundo muito diverso daquele em que foi criada. Eles Voltam louva a riqueza decorrente do contato com a diferença, evidenciada através da experiência de Cris com pessoas de realidade social contrastante, a exemplo dos moradores de um assentamento à beira da estrada. Mas o cineasta reitera essa “mensagem” ao destacar, na parte final, o vínculo travado entre Cris e uma colega de escola com quem até então não tinha contato.



Marcelo Lordello realça, de maneira dispensável, a discrepância social, econômica e política entre o universo familiar de Cris e o daqueles com quem convive brevemente através de um episódio noticiado na televisão. Os melhores momentos são os menos sublinhados – os das conversas entre Cris e outras meninas sobre o cotidiano nesse filme centrado em jornadas femininas. Restrições à parte, Eles Voltam soma pontos com certo refinamento na construção, valendo destacar o aproveitamento do som ambiente e a sustentação de um ritmo talvez exasperante para o público contemporâneo (Cris não tem a preocupação de responder rapidamente ao que perguntam). Essa última característica também pode ser detectada no cinema defendido por Leonardo Lacca e Ivo Lopes Araújo, presentes aqui como, respectivamente, assistente de direção e diretor de fotografia.





NOITE DE ABERTURA



A Última Estação



Como seria de se esperar, a 45ª edição do Festival de Brasília abriu com um filme do Distrito Federal, A Última Estação . O diretor Marcio Curi aborda a necessidade de retomar contato com as próprias origens a partir da jornada do libanês Tarik (interpretado pelo ator – também libanês – Mounir Maasri) que, após a morte da mulher, decide empreender uma viagem em busca dos meninos que fizeram a travessia de navio com ele rumo ao Brasil 50 anos antes.



Esse acerto de contas com o passado esbarra em muitos problemas, conforme fica evidenciado na tela. Na primeira metade da projeção, o cineasta se vale de maneira excessiva de uma concepção visual estilizada, em especial no que se refere à utilização da tonalidade sépia (fotografia de Krishna Schmidt). Di Moretti, autor do roteiro, se apoia em desgastado choque cultural e geracional entre Tarik e a filha adolescente e impetuosa, Samia (Klarah Lobato), que o acompanha na travessia. E à medida que a projeção avança há cada vez mais concessões ao turístico, com sequências ambientadas em pontos curiosos das cidades por onde passa o protagonista que, porém, não contribuem para o desenvolvimento do enredo.

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