Em meados dos anos 1960, em uma mesa redonda que reuniu nomes como Caetano Veloso, Nara Leão, Ferreira Gullar e Gustavo Dahl, o compositor baiano Capinam se manifestou, a certa altura, da forma como segue: "Nós temos que enfrentar a realidade. E a realidade atual é a da estridência. A juventude gosta da estridência porque representa a civilização moderna". Em pauta, uma situação inusitada na música popular brasileira que, naquele momento se distanciava de suas origens culturais, se dobrando ao ritmo fácil e à melodia adocicada importadas do iê-iê-iê. Todavia, ao lançar luz sobre a tal "estridência", Capinam apontava para uma atitude que, dali em diante, se transformaria na lei de sobrevivência dos nossos tempos globais: era preciso aprender a assimilar, a se deixar atravessar por tendências, modas, comportamentos e ritmos. Segundo essa lógica, bola fora para aqueles que se fechavam para o novo por temer contaminar a cultura pátria; e um colossal VIVA para aqueles que mergulhavam no inesperado e que, no lugar de pautar sua existência pela ordem disciplinar, investiam no prazer, na descoberta do corpo e da sua individualidade.
Foi durante os anos 1970 que essa estridência ganhou corpo: nos gestos, na ousadia e nas atitudes de uma geração que investiu no colorido das experiências sensoriais para fazer frente às tintas cinzentas impostas pela ditadura. Rio Anos 70, documentário de Maurício Branco e Patricia Faloppa, oferece um recorte delicioso da década, girando em torno de uma contracultura essencialmente carioca, forjada em corpos tatuados, entorpecidos e bronzeados, e do surgimento da cultura das discotecas, que nos legou a ginga das Frenéticas e as eternas meias de lurex de Sonia Braga na novela Dancin´Days. Eles estavam menos interessados em lutar pelo destino do país, e mais em decidir qual a melhor balada do final de semana, se dava mais barato transar em grupo, tomar Mandrix (remédio para dormir) com vodka ou casar-só-porque-pode-divorciar-agora. Por isso, foram chamados de "alienados". Só que não fossem esses alienados, e tudo aquilo que a gente hoje toma por normal não existiria. Para que eu, você e todo mundo possa existir "normalmente" no mundo de hoje, foi preciso que as pessoas neste documentário se esvaíssem em excessos (e por eles fossem duramente repreendidos), quebrassem tabus e mostrassem que, sim, tudo bem, gostar de si. Palmas pra eles.