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FESTIVAL DO RIO 2012: A MULHER DE LONGE

05.10.2012
Por Nelson Hoineff
FOTOGRAMA POR FOTOGRAMA

A mulher de longe, de Luiz Carlos Lacerda



Um dos maiores nomes da literatura brasileira, Lucio Cardoso abraçou o que ficou conhecido como literatura psicológica e produziu livros fundamentados em confrontos éticos e morais, na existência do bem e do mal. Uma de suas obras-primas, Crônica da Casa Assassinada, foi filmada por Paulo Cesar Saraceni e foi para Saraceni que Lucio Cardoso escreveu o roteiro de Porto das Caixas, tido por muitos críticos como o mais importante precursor do cinema novo.



Lucio morreu em 1968 e deixou muitos outros roteiros e argumentos para cinema. Deixou também um único filme, inacabado, que rodou numa aldeia de pescadores de Itaipu, em 1949: A mulher de longe.



Problemas financeiros, dúvidas e um difícil relacionamento com a população local interromperam as filmagens no início de 1950. O material ficou desaparecido durante 60 anos, até que o pesquisador Esio Ribeiro conseguiu localizar e restaurar cerca de 20 minutos. Luis Carlos Lacerda apóia-se nas imagens recuperadas deste filme e no diário de filmagem de Lucio para promover um comentário poético sobre a obra. É um trabalho delicado, meticuloso e principalmente apaixonado. Lacerda vale-se de muitas outras referências – que vão de Pasolini a Cacoyannis – e costura uma impressionante viagem pelo vazio deixado por Lucio. Seu documentário não passa pelas circunstâncias originais de produção, mas trafega pela estrada poética de Lucio Cardoso.



Lacerda começou a carreira filmando Cardoso (Mãos Vazias, de 1971) e ao longo desses 40 anos desenvolveu uma filmografia de ficção que talvez tenha tido seu auge com Leila Diniz (1987) e alguns documentários. Poucas coisas, possivelmente, tão maduras e refinadas como esse novo mergulho sobre Lucio. Seu olhar volta-se para o filme que está comentando, mas também para muitos outros lados. O foco que lança sobre a restauração em si é uma silenciosa e tocante declaração de amor ao cinema, à película, à parafernália mecânica.



Seu documentário usa o silêncio, a textura da simplicidade (muitas vezes parece fotografado pelo próprio Ruy Santos) e sobretudo o tempo. Lacerda trabalha esse tempo com esmero e elegância. Não colhe depoimentos, não se coloca como um distante observador. É simplesmente um participante e cultor do universo de Lucio Cardoso. Faz de A mulher de longe um documentário consistente, belo, inspirador e permanentemente emocionante.

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