Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes o são cada uma à sua maneira.
A célebre frase inicial de Ana Karenina, de Leon Tolstoi, pode encontrar no tocante documentário de Sarah Polley uma potente reação. Com motivos razoáveis para cultuar a infelicidade, a família da atriz e diretora canadense parece ter escolhido, se não a felicidade plena, uma harmonia inspiradora, apesar de tudo e de alguns.
Filha de atores (Diane e Michael Polley), Sarah começou cedo a carreira de atriz. Ganhou projeção internacional com O Doce Amanhã, de Atom Egoyan, atuou em mais de 50 filmes, e vem brindando o espectador com interpretações ao mesmo tempo fortes e delicadas, como em dois de seus melhores filmes, Minha Vida Sem Mim e A vida secreta das palavras, ambos da diretora espanhola Isabel Coixet.
É bem provável, no entanto, que o maior desafio de sua carreira tenha sido administrar um inusitado roteiro familiar com reviravoltas que , caso pertencessem à ficção, seriam certamente atribuídas a um autor muitíssimo criativo.
E é com a mesma sensibilidade calma de atriz e diretora (assinou o elogiado Longe Dela, sobre os efeitos do mal de Alzheimer sobre um casal), que Sarah se debruça sobre sua história em Stories We Tell. E que história! Contar detalhes seria privar o espectador de revelações de alto impacto. Prudentemente, a personagem principal dividiu a cena com vários protagonistas, entre eles quatro irmãos, pais e pessoas de alguma forma envolvidas no longo percurso. Sarah está em cena e também atrás das câmeras, em entrevistas e dirigindo a narração de uma trama que se desdobra ainda em cenas de arquivo e lembranças recriadas, embaralhadas de forma orgânica e muito pessoal.
Pode-se perguntar o que tem levado, cada vez mais, atores e diretores a contarem suas histórias nas telas, a exporem suas intimidades ou de pessoas próximas. A experiência de Sarah Polley apresenta uma justificativa inapelável: histórias pessoais, por mais absurdas que sejam, começam a fazer algum sentido depois de narradas. Talvez o documentário padeça de reiterações, sobretudo no final, mas se estabelece como um depoimento poderoso que tem no amor verdadeiro o maior antídoto contra as trapaças do destino. Sem nenhuma pieguice ou sentimentalismo que essas linhas podem sugerir.