A natureza se impõe com força em Indomável Sonhadora (inadequado título brasileiro encontrado para o original Beasts of the Southern Wild ), primeiro longa-metragem de Benh Zeitlin que vem impressionando no circuito internacional: basta dizer que ganhou os prêmios do Júri e de melhor fotografia no Festival de Sundance e a Caméra D’Or na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes.
A região escolhida pelo diretor para ambientar a história – escorada na peça Juicy and Delicious , de Lucy Alibar – é determinante no enfoque da relação entre a menina Hushpuppy (interpretada por Quvenzhané Wallis, apontada como provável concorrente ao Oscar de melhor atriz) e seu pai, Wink (Dwight Henry). Benh Zeitlin aborda personagens imersos numa Louisiana esquecida, mais exatamente numa comunidade que, separada de Nova Orleans por uma barragem, sofre uma inundação que deixa a região ainda mais degradada.
O elo entre Wink e Hushpuppy é marcado por uma sucessão de catarses. Ele se agarra à bebida e dá vazão a uma série de descontroles; ela vai embrutecendo no contato direto com o pai. O diretor destaca um processo crescente de selvageria dos homens, mas também os mostra como norteados pelo instinto, por uma animalidade própria. “Somos todos carne”, exclamam em dado instante. No filme, o ser humano é parte integrante da natureza, questão que pode sugerir alguma conexão entre o cinema de Zeitlin e o de Terrence Malick.
O cineasta externa admiração por Hushpuppy, que desponta como pequena heroína obrigada a lidar com uma grande carga de sofrimento devido à ausência da mãe e à revelação da doença do pai. Quando os personagens são recolhidos de suas casas invadidas pela água e levados para um hospital, Zeitlin parece considerar o feito como uma tentativa de domesticação de seres indomáveis. É o momento mais frágil do filme, na medida em que o discurso – um tanto questionável – soa simplista. Uma restrição que não anula o valor de um trabalho que desembarca no Brasil com o carimbo de revelação.
