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FESTIVAL DO RIO 2012: NÓS E EU

08.10.2012
Por Marcelo Janot
COLETIVO NOTA 10

Foi um conterrâneo de Michel Gondry, o diretor francês Laurent Cantet, que misturando documentário e ficção fez um dos melhores retratos dos adolescentes do século 21, no filme “Entre os Muros da Escola”. Dos jovens da periferia parisiense de Cantet aos da nova-iorquina na visão de Gondry em “Nós e Eu”, vidas pulsam de uma maneira que não estamos acostumados a ver no cinema comercial hollywoodiano ou em seus derivados televisivos que se limitam a retrabalhar os clichês, como na novela brasileira “Malhação”.



Os alunos da escola de Gondry são vistos fora dos muros, em um ônibus a caminho de casa após o último dia de aula. No trajeto do coletivo, o espectador literalmente embarca nessa viagem em tempo real. Leva um tempinho até o reconhecimento da divisão espacial e hierárquica do grupo e à adaptação às conversas paralelas que se desenvolvem nos diversos núcleos, mas logo fica fácil entender a lógica dos relacionamentos, que a princípio obedece a uma estrutura que repete a que é geralmente vista em sala de aula: os “donos” da classe e mais temidos no fundo, os mais comportados na frente.



Sem recorrer aos clichês de linguagem cinematográfica do “cinema para jovens”, o diretor não ignora a importância do smartphone como instrumento de convergência da comunicação entre eles. Gondry sabe, como poucos no cinema contemporâneo, trabalhar elementos fabulares em sua trama. “Sonhando Acordado”, “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” e “Rebobine Por Favor”, sem falar em sua bela coleção de videoclipes para artistas como Bjork, são obras em que ele se valeu da fantasia com maior ou menor intensidade. Aqui, mesmo num registro muito próximo do documental, trabalhando com não-atores que praticamente reencenam suas próprias vidas, ele conseguiu ilustrar os anseios e devaneios adolescentes em “reconstituições” encenadas de seus relatos.



No cinema de Michel Gondry nada é tão simples quanto aparenta ser. Aos poucos ele vai desmontando certezas e invertendo papéis, enxergando os adolescentes não como meros fantoches para estimular em seus iguais o consumo de produtos de merchandising, mas sim mostrando o quão complexas são essas criaturas em processo de formação. Sem querer vender teses sociológicas, ele acaba oferecendo um vasto material para reflexão através da construção cinematográfica de sua narrativa: a cada parada em que o ônibus vai despejando alunos no caminho, o “nós” vai se reduzindo até abrir espaço para o “eu”. A experiência coletiva, se por um lado sufoca o individualismo nessa fase crítica da formação de caráter do adolescente prestes a virar adulto, também pode servir de estímulo para a reflexão em relação aos caminhos a serem seguidos. A única conclusão certa a que podemos chegar é a de que um filme como “Nós e Eu” é parada obrigatória nesse trajeto tão sinuoso do universo adolescente.

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