Especiais


FESTIVAL DO RIO 2012: POST TENEBRAS LUX

13.10.2012
Por Carlos Alberto Mattos
UM BODE COR DE ROSA

Perto do final de Post Tenebras Lux um personagem faz uma coisa realmente radical com sua própria cabeça. É mais ou menos o que o espectador sente vontade de fazer diante de um filme que desafia qualquer análise racional. Em boa parte de suas duas horas de projeção, o novo rebento de Carlos Reygadas parece um filme doméstico familiar. Os dois (adoráveis) filhos do diretor brincam com animais e com os atores que interpretam seus pais numa casa no interior do México, o casal discute sua relação sexual, os parentes se reúnem em festa de fim de ano. O resto do filme parece uma sucessão disparatada de cenas irrealistas, que só podem ser interpretadas à luz do refrão de uma canção de Neil Young desafinada pela mulher ao piano: “It’s only a dream”.



Sonhos nada amparados por interpretações psicanalíticas, quero crer. Coisas como a inocência infantil diante das bestas da natureza, o desejo de um marido realizado através da doação da mulher a outros homens num quarto de sauna chamado Duchamp, as visões oníricas de uma versão caprina da Pantera Cor de Rosa, alusões a sexo com animais, árvores derrubadas e garotos se batendo no rugby articulam-se somente através de uma concepção personalíssima do diretor. O filme é supostamente autobiográfico (melhor seria dizer “autobionírico”) e reúne referências a fatos e fantasias de Reygadas, dispostas sem maior preocupação de narratividade. Basta ver que a idade dos filhos varia livremente, segundo uma cronologia espatifada.



Um dos meios que o público tem para atravessar esse pântano expressionista é o estilo particular de Reygadas. Suas imagens são sempre intensas, o som é inquietante e as atuações ficam num espaço morto entre o naturalismo e o sonambulismo. Nas cenas externas desse filme ele experimenta um efeito de vidro bisotado nas bordas e uma tela quadrada que, aliás, está virando fetiche entre os autores mais radicais (Fausto de Sokurov, Tabu de Miguel Gomes).



Nem todos acharão isso suficiente para apreciar o desfile de bizarrices de Reygadas, aqui sem a sublime organicidade de Luz Silenciosa nem a visceralidade de Japón. De minha parte, fiquei entre o sorriso de incredulidade e o desejo de repetir o tal personagem, fazendo uma coisa realmente radical com a minha cabeça.

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