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JOSÉ HENRIQUE FONSECA: O DESAFIO DO PRIMEIRO LONGA

11.08.2003
Por Myrna Brandão
JOSÉ HENRIQUE FONSECA: O DESAFIO DO PRIMEIRO LONGA

Diretor de videoclipes e filmes publicitários, José Henrique Fonseca atuou como assistente de Hector Babenco (Brincando nos Campos do Senhor) e de Walter Salles (A Grande Arte). Dirigiu também Cachorro!, um dos três episódios de Traição, inspirado em crônicas de Nelson Rodrigues. O Homem do Ano é uma história criminal baseada no romance O Matador, de Patrícia Melo. A obra foi roteirizada pelo também escritor Rubem Fonseca, pai do cineasta. Murilo Benício é Máiquel, um matador respeitado pela polícia, pela população e até por bandidos. É também amado por duas mulheres, personagens vividas por Natália Lage e Cláudia Abreu, mulher do diretor. No começo do filme, ele pinta o cabelo de loiro porque perdeu uma aposta para um primo. O fato vai levá-lo a matar sua primeira vítima que, por sinal, é um homem odiado por toda a comunidade onde Máiquel mora. A partir daí, ele vira um herói popular e inicia sua carreira de matador profissional.

Nesta entrevista, o cineasta fala sobre o a origem do filme, a adaptação do livro e sobre o cinema brasileiro.



Críticos.com.br - Qual foi a sua principal motivação para fazer O Homem do Ano?

José Henrique FonsecaO que mais me atraiu foi o próprio personagem principal. Realmente me fascinou a idéia de fazer um filme sobre um homem comum marcado pelo destino. O Máiquel é um homem indeciso entre dois caminhos: viver pobre e honestamente com sua família ou entrar, cada vez mais, no mundo do crime, onde é respeitado e temido. Um simples detalhe – uma aposta – define a questão. Eu fiquei muito impressionado com aquela figura, quase que impassível pelas determinações e imponderabilidades dos rumos de sua vida.



Críticos.com.br - Até que ponto o filme é fiel ao livro de Patrícia?

José Henrique Fonseca - É claro que a linguagem literária é diferente da cinematográfica ; assim, os elementos do filme foram criados através de uma nova estrutura. Algumas tramas do romance foram abandonadas, outras acrescentadas, num processo que procurou transferir para a linguagem do cinema a força do texto literário de Patrícia. O mais importante, no entanto, é que a essência do livro é a mesma. O filme procurou manter o clima asfixiante da trama e captar os males sociais e psicológicos transmitidos na obra da escritora.



Críticos.com.br - No livro a história se passa em São Paulo. Por que você a transpôs para o Rio?

José Henrique Fonseca - Eu moro no Rio, certamente teria muita dificuldade de transferir a equipe para outro local. Além disso, o sotaque paulista é diferente. Para respeitá-lo eu teria que mudar o elenco previamente escolhido, o que não estava nos meus planos. Mas embora as locações tenham sido no Rio de Janeiro, eu não tive a preocupação de localizar a história geograficamente. As situações vividas pelos personagens poderiam acontecer em qualquer outra cidade brasileira.



Críticos.com.br -O Matador é um livro muito violento. No filme a violência é amenizada ou, pelo menos, tratada de uma forma menos crua. Você teve essa preocupação?

José Henrique Fonseca - A obra de Patrícia é de uma violência impressionante, eu diria quase assustadora. O filme não mostra, em toda a plenitude, a violência que tem no livro. Embora haja também aspectos violentos no filme, eu procurei de alguma forma humanizar um pouco o personagem título, a figura do matador. Ele é praticamente uma criança, um personagem impassível, quase sem sentimento à dor, à alegria, que é tragado pelo destino e forçado a mudar de vida. Como um rio, ele se deixa levar e no final, como você viu, ele pinta o cabelo de preto novamente, segue a vida, cujo rumo a gente fica sem saber qual vai ser. Eu faço até um paralelo com aquele personagem de Muito Além do Jardim(Chance the Gardener, vivido por Peter Sellers, no filme de Hal Ashby).



Críticos.com.br - É a primeira vez que Rubem Fonseca roteiriza um texto de outro escritor. Você pode falar sobre o que o levou a adaptar O Matador?

José Henrique Fonseca - Meu pai e Patrícia já tinham uma ligação desde quando ela fez a adaptação de Bufo & Spallanzani, escrito por ele. Mas uma das coisas que mais o motivou para participar, além da admiração que tem pela escritora, foi o desejo de adaptar um texto que rompe com as convicções literárias, ao contar, num estilo asfixiante, uma história de violência, conflito social e crime. A Patrícia é uma escritora ímpar. Ela consegue expressar, com muita sensibilidade, a condição muitas vezes perversa e abominável e, ao mesmo tempo, extremamente frágil da espécie humana.



Críticos.com.br - Como foi o trabalho com o elenco?

José Henrique Fonseca - Foi um trabalho difícil para encontrar a medida certa de constituição dos personagens. O Máiquel tem um tempo diferente das pessoas normais. Como diz o Murilo, ele só conseguiu encontrar o personagem a partir do terceiro dia das filmagens. Já a Cacá (Cláudia Abreu) representa o outro caminho da vida de Máiquel. Ela precisava passar as mudanças da personagem principalmente depois que ela tem o filho e vê a família desmoronando. Ela se torna insuportável e passa a reagir violentamente e, com isso, também aumenta a violência de Máiquel. Outro personagem difícil é o do Jorge Dória, que tem que passar ao espectador um misto de cinismo e racismo típico de alguns governantes. Cada personagem tem uma característica diferente e forte, mas acho que todos eles estão muito bem no filme. O Murilo realmente consegue passar um Máiquel não só impassível, mas também com uma espécie de alienação do que está ocorrendo.



Críticos.com.br - Era o que você pretendia?

José Henrique Fonseca - O personagem é assim, ele não tem consciência exata da maldade e muitas vezes nem o discernimento para julgar que não está fazendo uma coisa boa. E isso fica claro em muitas cenas quando é evidenciada a falta de noção exata da realidade por parte do Máiquel. Ao contrário, por exemplo, do personagem do Dória, um sujeito abjeto, com impulsos criminosos e sabedor do que está fazendo.



Críticos.com.br - Como você vê a abordagem , cada vez mais freqüente no cinema brasileiro, do tema da violência?

José Henrique Fonseca - A violência hoje está em todo o lugar, no Rio, em São Paulo, no mundo inteiro. E de certa forma, as pessoas estão sempre conectadas a isso. Se o cinema quiser ter o pé na realidade, não pode fugir desse assunto. Ele tem de ser enquadrado, discutido, encarado mesmo.



Críticos.com.br - Você já tem outros projetos em mente?

José Henrique Fonseca - Tenho dois projetos novos , mas estão ainda muito embrionários, não gostaria de aprofundar mais sobre eles, porque certamente haverá mudanças. Mas estou muito motivado e também esperançoso nas medidas do novo governo. Acredito que haverá um investimento real na área cultural como um todo e, particularmente, no cinema.

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