Henry Fonda foi um dos maiores atores americanos, protagonista de vários clássicos do cinema, com grandes desempenhos nos palcos e na televisão. Criticos.com.br se associa à homenagem que lhe faz o Canal Telecine Classic, na "Galeria Henry Fonda", exibida de 23 a 27 de setembro.
Henry Fonda nasceu em Grand Island, Nebraska, no dia 16 de maio de 1905. Estudou jornalismo na Universidade de Minnesota, mas abandonou o curso em dois anos. Em 1925, quando trabalhava como boy de uma firma, em Omaha, uma senhora amiga de sua mãe o convidou para fazer um papel importante numa produção amadora da Omaha Community Playhouse. Essa senhora era a atriz Dorothy Brando, mãe de Marlon Brando, na época com um ano de idade. O rapaz se apaixonou pelo palco. Nessa época, ele já tinha 1,86m e jogava basquete. Seu primeiro papel profissional foi na peça You and Me, de Philip Barry. Na temporada seguinte, protagonizou Merton of the Movies, comédia de George S. Kaufman e Marc Connelly, que tinha sido sucesso na Broadway em 1922, e foi filmada pelo menos três vezes, em 1924, 1932 e 1947.
Pouco depois, teve oportunidade de passar seis dias em Nova York. Nesses seis dias, Henry viu nove peças. Ficou deslumbrado. Continuou fazendo os mais variados trabalhos ligados ao palco, tendo sido desde assistente de direção, até pintor de cenários e ator. Finalmente, conseguiu ir para Manhattan e arranjou um lugar na University Players Guild, onde conheceu Joshua Logan, Kent Smith e Bretaigne Windust.
Em 1929, estrelou Devil and the Cheese, ao lado de Margaret Sullavan, uma atriz de 20 anos que se juntara ao grupo. Foi seu galã em Coquette, A Kiss for Cinderella, The Constant Nymph e outras peças. Já tinha estreado na Broadway, em 1928, num pequeno papel em A Game of Love and Death, estrelado por Claude Rains, Alice Brady e Otto Kruger. Pouco depois, outro ator jovem e simpático entrou para a companhia. Era James Stewart, com quem Fonda faria duradoura amizade.
Numa entrevista à revista Cinemin, no Rio de Janeiro, Stewart disse que invejava Fonda pelo tempo que ele conseguia dedicar ao teatro. Na manhã do Natal de 1931, Henry e Margaret se casaram. Mas a união não durou muito. Separaram-se pouco mais de um ano depois. Era difícil a vida em comum, porque ambos colocavam a carreira em primeiro lugar e brigavam muito quando trabalhavam juntos. Quem passou a cuidar de seus interesses profissionais foi o agente Leland Hayward que, dois anos depois, casou-se com Margaret.
Em 1934, Leland o convidou a Hollywood, onde lhe arranjaria papéis no Cinema. Ele respondeu que não estava interessado, preferia o teatro. Mas acabou indo e assinou contrato de quatro anos com Walter Wanger. Ainda voltou a Broadway, onde estrelou The Farmer Takes a Wife. Quando a Fox comprou os direitos para filmar a peça, queria Gary Cooper ou Joel McCrea no papel central. Mas, como não estavam disponíveis, os dirigentes pediram Fonda emprestado a Wanger. Dirigido por Victor Fleming, ao lado de Janet Gaynor, a principal estrela do estúdio, Fonda estreou em Cinema, em 1935, repetindo o papel que fizera no palco. No Brasil, o filme se chamou Amor Singelo.
Ao mesmo tempo em que alugava uma casa de parceria com o recém-chegado James Stewart, como já tinham feito em Nova York, Fonda trabalhou em mais três filmes, naquele ano: Inocente Pecadora (Way Down East), Vivo Sonhando (I Dream Too Much), Amor e Ódio na Floresta (The Trail of the Lonesome Pine). Este último, dirigido por Henry Hathaway, ajudou a formar sua personalidade cinematográfica dos 30 anos seguintes - idealista, nobre e honesto, personagem ideal do americano médio, que se repetiu várias vezes em sua carreira.
O segundo casamento de Fonda, em 16 de setembro de 1936, foi com Frances Seymour Brokaw, americana rica, divorciada e mãe de uma menina de cinco anos. Dessa união nasceriam Jane Seymour Fonda (21 de dezembro de 1937) e Peter Henry Fonda (23 de janeiro de 1940), ambos também artistas como o pai. Esse casamento terminou tragicamente, com o suicídio de Frances, em 1950, cortando a garganta com uma lâmina de barbear, depois de um colapso nervoso, quando estava internada numa clínica.
Em 1937, Wanger se associou à United Artists, e seu contratado fez três filmes para aquela companhia: Vive-se uma só Vez (You Only Live Once),1937, de Fritz Lang, Tinha que Ser Tua (I Met My Love Again),1938, de Arthur Ripley, e Bloqueio (Blockade),1938, de William Dieterle. Antes de alistar-se na Marinha, em agosto de 1942, Henry participou de alguns filmes importantes: Jezebel (Jezebel),1938, de William Wyler, com Bette Davis; Lobos do Norte (Spawn of the North),1938, de Hathaway, com George Raft e Dorothy Lamour; Jesse James (Jesse James),1939, de Henry King, com Tyrone Power e Randolph Scott; A Vida de Alexander Graham Bell (The Story of Alexander Graham Bell),1939, de Irving Cummings, com Don Ameche (no papel-título) e Loretta Young; A Mocidade de Lincoln (Young Mr. Lincoln),1939, de John Ford; Ao Rufar dos Tambores (Drums Along the Mohawk),1939, de John Ford, com Claudette Colbert; A Volta de Frank James (The Return of Frank James),1940, de Fritz Lang, com Gene Tierney.
E, no cume de sua carreira na época, As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath),1940, baseado no romance de John Steinbeck sobre os retirantes de Oklahoma (os Okies), em difícil viagem num velho caminhão, fugindo das terras áridas e poeirentas para a fértil Califórnia, nos dias da Depressão. Tomando conhecimento de que Darryl F. Zanuck queria Tyrone Power ou Don Ameche como protagonista, Henry fez o produtor saber que desejava o papel. E, para consegui-lo, acabou assinando o contrato-padrão do estúdio, que já recusara antes, e que o prendia à 20th Century-Fox por sete anos. Dirigido por John Ford, Fonda fez um perfeito Tom Joad, concorrendo ao Oscar do ano.
Ainda antes de seguir para o Pacífico, como contramestre de terceira classe num destróier, Henry Fonda mostrou seu talento como comediante, ao lado de Barbara Stanwick, em As Três Noites de Eva (Lady Eve),1941, com excelentes roteiro e direção de Preston Sturges. Finalmente, seguiu para a frente de batalha, na Europa, deixando prontos mais três filmes, dos quais o mais importante era Consciências Mortas (The Ox-Bow Inci-dent),1943, western psicológico de William Wellman que, segundo depoimento do distribuidor João Lepiane, foi vaiado em São Paulo e provocou o comentário de Guilherme de Almeida, em sua crítica em O Estado de São Paulo: "O público esperava que da tela saíssem grãos de milho, mas, em vez de grãos de milho, saíram pérolas". Fonda recebeu várias condecorações e foi desmobilizado em outubro de 1945.
O retorno ao cinema foi em alto estilo. Seu amigo John Ford lhe reservara o papel de Wyatt Earp, em Paixão dos Fortes (My Darling Clementine),1946. Onze anos depois do afastamento dos palcos, Fonda voltou, sob a direção do amigo e antigo colega Joshua Logan, em Mister Roberts, num teatro em Filadélfia, estreando, como Tenente Roberts, em dezembro de 1947. Apaixonou o público e foi muito elogiado pela crítica. No princípio do ano seguinte, a peça foi para Nova York, ficando quase três anos em cartaz e proporcionando prêmios para Fonda (Melhor Ator) e Logan (Autor e Diretor). Quando os direitos de filmagem foram comprados pela Warner, os chefões do estúdio e o próprio Logan, que ia dirigir, queriam Marlon Brando para o papel. Houve muita discussão. Afinal, Logan se demitiu e a direção passou para John Ford. Henry Fonda foi contratado, juntamente com James Cagney, William Powell e Jack Lemmon. Mas a concepção de Ford para o filme era muito diferente da de Fonda. Voltaram as discussões, e a direção passou para Mervyn LeRoy. As relações profissionais e de amizade entre Ford e Fonda ficaram muito abaladas. O filme foi lançado em maio de 1955, fez um grande sucesso e deu o Oscar de coadjuvante para Lemmon.
O filme seguinte - Guerra e Paz (War and Peace),1956, baseado na obra de Leon Tolstoi - foi todo filmado em Roma, com direção de King Vidor, 8.000 figurantes, 8.000 cavalos, mais de 2.500 canhões e um caríssimo elenco: Audrey Hepburn, Mel Ferrer, Vittorio Gassman, John Mills, Anita Ekberg, Herbert Lom e outros. Mas foi um fracasso de crítica. O Time, comentando as interpretações, conclui: "Fonda, às vezes, dá a impressão de que foi o único a ter lido o livro".
Ainda em 1956, ele foi dirigido por Hitchcock, num filme que fugia às características do diretor. O Homem Errado (The Wrong Man), baseado na história verídica de um músico acusado injustamente de fazer um assalto à mão armada, foi filmado em estilo de documentário, e novamente Fonda se destaca, ao lado de Vera Miles, que faz sua mulher. Em 1957, fez O Homem dos Olhos Frios (The Tin Star), western de Anthony Mann, com Anthony Perkins, e 12 Homens e uma Sentença (Twelve Angry Men), de Sidney Lumet, apresentado primeiro como telepeça.
De 1958 a 1975, ele se dividiu entre teatro e cinema. No teatro, protagonizou um one-man-show - Clarence Darrow - encenado em Los Angeles e Nova York. Nesta última, devido ao esforço que fazia para representar sozinho tanto tempo no palco, certa noite desmaiou no camarim. Levado a um hospital, ficou internado e acabou tendo um marca-passo implantado no peito. Dentre os filmes, destacam-se: Minha Vontade é Lei (Warlock),1959, de Edward Dmytryk, Tempestade sobre Washington (Advise and Consent),1962, de Otto Preminger, A Conquista do Oeste (How the West Was Won),1962, de Henry Hathaway, John Ford e George Marshall, Limite de Segurança (Fail Safe),1964, de Sidney Lumet, Vassalos da Ambição (The Best Man),1964, de Franklin Schaffner, O Homem com a Morte nos Olhos (Welcome to Hard Times),1967, de Burt Kennedy, Os Impiedosos (Madigan),1968, de Don Siegel, O Homem que Odiava as Mulheres (The Boston Strangler),1968, de Richard Fleischer, Era uma Vez no Oeste (Once Upon a Time... in the West),1969, de Sergio Leone, Assim Nascem os Bravos (Too Late the Hero),1970, de Robert Aldrich, Ninho de Cobras (There Was a Crooked Man),1970, de Joseph L. Mankiewicz.
Henry Fonda casou-se mais três vezes: em dezembro de 1950, com Susan Levine Blanchard, enteada de Oscar Hammerstein II, com quem adotou uma menina e de quem se divorciou em maio de 1956; em 1957, com a italiana Adera Franchetti, de 22 anos, de quem se divorciou em 1960; nesse mesmo ano, conheceu a aeromoça Shirlee Mae Adams, 27 anos mais moça que ele, casando-se com ela apenas em dezembro de 1965.
Em 1971, participou de Directed By John Ford, um documentário-homenagem sobre o grande diretor, realizado por Peter Bogdanovich, com narração de Orson Welles. Foi a oportunidade para reatar relações com o velho amigo. No dia 12 de abril de 1976, a ABC-TV apresentou Fonda: An American Legacy, um programa de 90 minutos sobre ele, produzido por Burgess Meredith e com depoimentos de muitos colegas e diretores.
Henry Fonda faleceu em Los Angeles, no dia 12 de agosto de 1982, vítima de uma doença crônica do coração, alguns meses depois de receber seu único Oscar como Melhor Ator, em Num Lago Dourado (On Golden Pond).
Seus outros filmes:
1936: Vivendo na Lua (The Moon´s Our Home), Juventude Dourada (Spendthrift).
1937: Idílio Cigano (Wings of the Morning), Alta Tensão (Slim), Cinzas do Passado (That Certain Woman).
1938: Quando Elas Teimam (The Mad Manton).
1939: Deixai-nos Viver (Let Us Live).
1940: A Bela Lilian Russell (Lillian Russell), A Garota do Circo (Chad Hanna).
1941: Vidas sem Rumo (Wild Geese Calling), Você me Pertence (You Belong to Me).
1942: Assim é que Elas Gostam (The Male Animal), Ela Queria Riquezas (Ring On Her Fingers), Assim Vivo Eu (The Magnificent Dope), Seis Destinos (Tales of Manhattan), Rua da Ilusão (The Big Street).
1943: O Sargento Imortal (The Immortal Sergeant).
1947: Noite Eterna (The Long Night), Domínio de Bárbaros (The Fugitive), Êxtase de Amor (Daisy Kenyon).
1948: No Nosso Alegre Caminho (A Miracle Can Happen / On Our Merry Way), Sangue de Heróis / Forte Apache - (Fort Apache).
1949: Ruiva de Dois Corações (Jigsaw).
1958: Quando o Espetáculo Termina (Stage Struck).
1959: Quando a Esposa Peca (The Man Who Undestood Women).
1962: O mais Longo dos Dias (The Longest Day).
1963: Nove Irmãos (Spencer´s Mountain).
1964: Médica, Bonita e Solteira (Sex and the Single Girl).
1965: Ginetes Intrépidos (The Rounders), Uma Batalha no Inferno (Battle of the Bulge), A Guerra Secreta (Guerre Secrète / The Dirty Game).
1966: Jogada Decisiva (A Big Hand for the Little Lady).
1968: O Último Tiro (Firecreek), Os Seus, os Meus e os Nossos (Yours, Mine and Ours).
1970: Cheyenne (The Cheyenne Social Club).
1971: Uma Lição para não Esquecer (Sometimes a Great Notion).
1972: Meu Corpo em Tuas Mãos (Ash Wednesday), A Serpente (Le Serpent).
1974: Os Últimos Dias de Mussolini (Mussolini: Ultimo Atto), Meu Nome é Ninguém (Il Mio Nome è Nessuno / My Name Is Nobody).
1976: A Batalha de Midway (Midway).
1977: Terror na Montanha-Russa (Rollercoast), The Last of the Cowboys.
1978: The Great Smokey Roadlock (na TV: A Última Carga), O Enxame (The Sworm), A Grande Batalha (The Biggest Battle).
1979: Ano 2000, Cidade em Chamas (City On Fire), Wanda Nevada (na TV: Wanda Nevada), Fedora (Fedora), Meteoro (Meteor).
Na televisão:
The Decision at Arrowsmith,1953.
Clown,1955, como Emmett Kelly, o mais famoso palhaço americano.
Petrified Forest, coadjuvando Humphrey Bogart.
Henry Fonda Presents the Star and the Story, como apresentador.
The Deputy,1959-61, como o delegado Simon Fry.
The Fabulous Fifties, apresentando retrospectiva da década de 1950.
A Caçada (Stranger on the Run),1967, de Don Siegel, com Anne Baxter.
Travels With Charley,1968, como apresentador.
Série The Smith Family,1971-72, como detetive Chad Smith.
The American West of John Ford,1971, com John Wayne e James Stewart.
O Potro Vermelho (The Red Pony),1973, com Maureen O´Hara.
Operação Alfa (The Alpha Caper),1973, com Leonard Nimoy.
IBM presents Clarence Darrow,1974.
Captains and the Kings,1976, minissérie.
Série Maude,1976, como ator convidado.
Raízes II (Roots: The Next Generations),1979.
The Oldest Living Graduate,1980.
Summer Solstice (30/12/1981, última apresentação na TV, com Myrna Loy).
OS FILMES DA MOSTRA
23 de setembro, segunda-feira, 22h (repete dia 24, às 10h40min)
A MOCIDADE DE LINCOLN (Young Mr. Lincoln),1939. Direção: John Ford. Produção: Kenneth MacGowan, para Cosmopolitan Productions / 20th Century-Fox. Roteiro: Lamar Trotti. Fotografia: Bert Glennon. Montagem: Walter Thompson. Música: Alfred Newman. Direção de arte: Richard Day. Com Alice Brady, Marjorie Weaver, Arleen Whelan, Richard Cromwell, Ward Bond, Donald Meek, Francis Ford. PB. 101 minutos. As locações do rio são em Sacramento, na Califórnia. Nos créditos de abertura e no final, um coro não identificado canta, respectivamente, "The Battle Cry of Freedom" (1862), de George Frederick Root, e "Battle Hymn of the Republic", música de William Steffe e letra de Julia Ward Howe. Outra canções: "Yankee Doodle", tradicional do século 18, tocada na parada do Dia da Independência, e "Turkey in the Straw", também tradicional, tocada por Henry Fonda num berimbau-de-boca.
São dez anos na vida de Abraham Lincoln, antes de ficar famoso em seu país.
Apesar do tratamento do personagem ser tão artificial quanto algumas paisagens que aparecem em back projections, apesar de alguma fragilidade técnica – tanto na imagem quanto no som – é o uso da mitologia de Lincoln que faz o filme de John Ford ultrapassar os limites de um simples drama de tribunal.
Mesmo tendo sido tema de mais de 150 filmes, este talvez seja o que melhor define a figura mítica do mais carismático presidente americano.
Lançado em 1939 – o chamado "ano de ouro" do cinema americano –, disputou a atenção do público com filmes como ...E o Vento Levou, Gunga Din, Atire a Primeira Pedra, Corcunda de Notre Dame, A Mulher Faz o Homem, O Mágico de Oz e outros sucessos.
Mesmo assim, é uma das obras mais analisadas do cinema, com dezenas de artigos sobre o simbolismo dos cenários e a grande interpretação de Henry Fonda, com um nariz postiço.
Em sua lojinha, no Kentucky, ele já demonstra o que pretende na vida, quando aceita, em pagamento de mercadorias, um livro de Direito. E é para começar a advogar, que ele se muda, de sua cabana para Springfield, em Illinois.
Quando um homem é assassinado num piquenique em comemoração ao 4 de julho, ele impede o linchamento de dois suspeitos, enfrentando um grupo enfurecido que queria fazer justiça sem julgamento. O jovem advogado repreende duramente os "justiceiros" por esquecerem os direitos básicos conquistados pelos cidadãos americanos. Ao filme, não interessa lembrar que o discurso partiu daquele que, mais tarde, veio a ser o único presidente americano a suspender o recurso do habeas corpus, instrumento jurídico que garante, justamente, direitos individuais, adotado em todas as democracias.
A diferença entre o homem real e o mito é justamente a mesma que existe entre a Lei e a Justiça. Ford, assim como outros diretores americanos, ainda hoje, partem do princípio de que heróis são necessários para a auto-estima de um povo. Nesse caso, a verdade seria secundária. Claro que Lincoln tinha muitas virtudes e foi um grande governante. Mas seus defeitos e possíveis erros não são revelados em momento algum, prejudicando sua visão como ser humano.
O filme ainda nos mostra seu relacionamento, entre adocicado e amargo, com a jovem Ann, o sofrimento com a morte dela, a corte que faz à futura esposa, Mary Todd, seu começo de interesse pela política.
Mas o ponto alto é o julgamento. Lincoln consegue sustentar seus argumentos de defesa, provando que, numa noite sem lua, seria impossível levar a sério a testemunha que dizia ter visto o crime.
Mesmo em desempenho de início de carreira, Henry Fonda conseguia transitar, com credibilidade, entre o drama e a comédia. Seu retrato do mais reverenciado presidente dos Estados Unidos é respeitoso e brilhante, sem deixar de ser carinhoso.
24 de setembro, terça-feira, 22h (repete dia 25, às 9h05min)
AO RUFAR DOS TAMBORES (Drums Along the Mohawk),1939. Direção: John Ford. Produção: Raymond Griffith, para 20th Century-Fox. Roteiro: Lamar Trotti e Sonya Levien. Fotografia: Bert Glennon e Ray Rennahan. Montagem: Robert Simpson. Música: Alfred Newman. Direção de arte: Richard Day e Mark Lee Kirk. Com Claudette Colbert, Edna May Oliver, John Carradine, Arthur Shields, Ward Bond. Cores. 103 minutos. Filmado em Wasatch Range, Utah. Indicações: para o Oscar de Coadjuvante Feminina (Edna May Oliver) e Fotografia em cores.
Primeira de várias colaborações entre Henry Fonda e John Ford, este filme marca, também, a primeira experiência do diretor com o então recente processo do Technicolor.
É uma visão tipicamente fordiana da vida em comunidade, que se junta a outros exemplos de vitórias do individualismo associado ao patriotismo, praticado estoicamente pelos heróis de Ford em vários outros filmes.
Gilbert Martin (Fonda) e sua mulher Lana (Colbert) tentam se estabelecer no Vale do Mohawk, no estado de Nova York. Mas repetidos ataques dos índios fazem com que eles procurem abrigo num forte das vizinhanças. Lá, eles e outros colonos presenciam, sem nada poder fazer, a devastação de suas terras e a destruição de suas casas.
Sarah McKlennar (May Oliver) é uma viúva dona de grande propriedade que vai socorrê-los, oferecendo-lhes um lugar para morar e um emprego de ajudante para Gilbert, em sua fazenda.
Em princípio, Lana estranha muito a dureza do campo, pois fora educada com todo o conforto, no Leste. Mas, aos poucos, incentivada pelo amor ao marido e, principalmente, depois que tem o primeiro filho, aprende a amar a nova vida.
Gilbert se junta às forças que travam uma dupla luta – contra as tribos de nativos locais e contra os ingleses. Era o princípio da Guerra da Independência.
Ele volta ferido da frente de batalha. Enquanto se recupera, uma rica colheita acontece em seus campos. Mas a alegria dura pouco. Os índios trilham novamente o caminho da guerra.
O ano de 1939 foi riquíssimo artisticamente para John Ford. Além dos dois filmes já citados em destaque, ele fez também, nsesse ano, um dos maiores filmes-ícones de western No Tempo das Diligências (Stagecoach).
Em Ao Rufar dos Tambores, como na maior parte de seus filmes, os protagonistas são, essencialmente, criações de tipos. As maiores interpretações cabem aos personagens secundários, como é o caso de Edna May Oliver, neste.
Apesar dos grandes problemas que os colonos têm que enfrentar, Ford acena para o espectador com um otimismo característico de sua carreira nesse período, talvez com a intenção propositada de insuflar, numa platéia abatida pela Depressão, a esperança e a garra, a perseverança e o espírito de união, necessários à sobrevivência em tempos difíceis.
25 de setembro, Quarta-feira, 22h (repete dia 26, às 10h35min)
VASSALOS DA AMBIÇÃO (The Best Man),1964. Direção: Franklin Schaffner. Produção: Stuart Millar e Lawrence Turman, para Millar-Turman. Roteiro: Gore Vidal, baseado em sua peça. Fotografia: Haskell Wexler. Montagem: Robert E. Swink. Música: Mort Lindsey. Direção de arte: Lyle Wheeler. Com Clift Robertson, Edie Adams, Margaret Leighton, Ann Sothern, Lee Tracy, Kevin McCarthy, Gene Raymond. PB 104 minutos Filmado no Ambassador Hotel, em Los Angeles, e na Los Angeles Sports Arena. Indicações: Ator Coadjuvante para o Oscar e o Globo de Ouro (Lee Tracy) Atriz Coadjuvante para o Globo de Ouro (Ann Sothern) Roteiro de Drama Americano para o Writers Guild of America. Durante os créditos de abertura, aparecem, em ordem cronológica, os retratos de todos os Presidentes americanos, de George Washington a Lyndon Johnson.
A versão cinematográfica da peça de Gore Vidal dá uma fiel visão das eleições americanas, no período em que se passa a história – os anos 1960. As convenções políticas tinham importância, aparecer na capa do Time era o que de melhor poderia acontecer a um candidato, boatos sobre doenças mentais e pecadilhos sexuais eram apenas sussurrados, em vez de discutidos abertamente.
Pode-se considerar este filme, de Franklin Schaffner, uma espécie de contraponto liberal do conservador Tempestade Sobre Washington, de dois anos antes, dirigido por Otto Preminger, baseado no romance de Allen Drury e estrelado pelo mesmo Henry Fonda, com um elenco estelar, abordando tema bastante parecido.
William Russell (Fonda), intelectual de princípios éticos, e Joe Cantwell (Robertson), político inescrupuloso, disputam a posição de candidato do seu partido (presume-se que o Democrata) às eleições presidenciais. Admite-se que o indicado será, inevitavelmente, o próximo presidente dos Estados Unidos.
Ambos pleiteiam o apoio do atual presidente, Art Hockstader (Tracy, em seu último e memorável papel no cinema), que está muito doente e se recusa a dar seu aval a qualquer um dos dois.
Alice (Leighton), mulher de Russell, quer se divorciar dele, mas, para não prejudicá-lo, espera o resultado da convenção do partido.
Quando Cantwell descobre que Russell, no passado, sofrera um grande abalo nervoso, trata de usar isso contra ele.
Logo depois, Russell fica sabendo, por um ex-companheiro de farda de Cantwell, que ele tivera um relacionamento homossexual. Mas como abomina a politicagem suja, ele hesita em se aproveitar disso. Precisa decidir se vai usar essa informação na campanha ou conservá-la em segredo, em nome de seus princípios, arriscando-se a perder a corrida para a indicação de sua candidatura.
Tanto Vassalos da Ambição quanto Tempestade Sobre Washington representam um pequeno mas importante passo na direção contrária à autocensura da indústria cinematográfica, com repúdio ao sistema de classificação da Motion Picture Association of America, criadora e mantenedora do Código Hays, mas que só se liberalizou sob a direção de Jack Valenti, a partir de 1966.
Apesar de vários críticos ponderarem que Gore Vidal nada diz de novo, quando expõe as baixarias da política, apresentando-a como um negócio freqüentemente sujo, inovando apenas (e nem tanto) quanto ao aspecto sexual, que seus diálogos são apenas corretos, nunca brilhantes, que suas peças e outros textos não são enfadonhos, mas não mergulham fundo emocionalmente, Vassalos da Ambição é um filme digno e verossímel. Para isso, contribuem a direção de Schaffner, segura e sensível, a expressiva fotografia em preto-e-branco de Wexler criando o necessário clima sombrio, e o excelente elenco.
Além deste e do já citado Tempestade Sobre Washington, mais dois bons filmes revelam bastidores do Poder, na década de 1960. Sete Dias de Maio,1964, de John Frankenheimer, mostra maquinações do Pentágono, com o General Burt Lancaster tramando a tomada do Poder. Limite de Segurança,1964, de Sidney Lumet, explora inteligentemente a responsabilidade da tomada de decisões, quando se está no comando.
Desses quatro, apenas em Sete Dias de Maio Henry Fonda não faz parte do elenco.
26 de setembro, quinta-feira, 22h (repete dia 27, às 10h35min)
DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA (Twelve Angry Men),1957. Direção: Sidney Lumet. Produção: Henry Fonda e Reginald Rose, para Orion-Nova Productions / United Artists. Roteiro: Reginald Rose. Fotografia: Boris Kaufman. Montagem: Carl Lerner. Música: Kenyon Hopkins, que executa o melancólico tema do filme num solo de flauta. Direção de arte: Robert Markel. Com Lee J. Cobb, Ed Begley, E.G.Marshall, Jack Klugman, Jack Warden, Martin Balsam, Robert Webber. PB. 96 minutos. Prêmios: BAFTA de Ator Estrangeiro (Fonda). Urso de Ouro e OCIC de Melhor Diretor, no Festival de Berlim. BODIL, para Filme e Diretor, dos críticos da Dinamarca. Edgar Allan Poe, para Filme de Mistério. Ribbon de Prata de Melhor Diretor Estrangeiro, dos jornalistas italianos. Menção Especial para o Diretor, no Festival de Locarno. Writers Guild of America para o Roteiro. Laurel de Ouro do PGA (Producers Guild of America), em 1997, levando-o para o Hall da Fama do Cinema. Indicações: para o Oscar de Filme, Diretor e Roteiro adaptado.
No Manhattan´s Court of General Sessions, tribunal de Nova York, um jovem latino (provavelmente porto-riquenho) de 18 anos é acusado de assassinar o próprio pai a facada. Sua condenação significa uma automática sentença de morte, como explica o juiz numa das seqüencias iniciais. Depois que defesa e acusação terminam de apresentar seus argumentos finais, os doze jurados se recolhem para apresentar uma decisão. E esta tem que ser unânime.
O álibi do acusado é fraco. Ele tem ficha criminal. A faca que alega ter perdido foi achada na cena do crime. Várias testemunhas ouviram os gritos da vítima, ou viram o crime ou o rapaz fugindo do local.
As provas contra o réu parecem incontestáveis. A maioria, convencida da culpa do rapaz, quer resolver tudo rapidamente e voltar logo para casa.
Onze jurados votam "culpado". Somente o oitavo jurado – Mr. Davis (Fonda) – vota "inocente". A princípio, ele baseia seu voto apenas num princípio: os jurados devem acreditar que o réu é culpado sem a menor sombra de dúvida. Ou, melhor dizendo: qualquer dúvida razoável é motivo para declarar o acusado inocente. É o que diz a Lei. É o que rezam os princípios gerais de Direito. E ele pondera que a vida de uma pessoa não pode ficar à mercê de decisões apressadas, sem qualquer discussão sobre o assunto.
À medida que a ação se desenrola, a história vai se transformando num estudo das complexas personalidades dos jurados – que vão de sensatos, ponderados, até brilhantes, a arrogantes e cruéis –, e das reações determinadas por suas origens e preconceitos.
O princípio da carreira de Sidney Lumet como diretor de teledramas pode estar bem caracterizado aqui, em seu primeiro trabalho para o cinema. Mas não há como negar a adequação do seu estilo ao tema do filme: os closes sofridos, um realismo que tem tudo a ver com a fotografia em preto-e-branco de Boris Kaufman (o mesmo de Sindicato de Ladrões), o cenário claustrofóbico (as paredes vão se fechando com o transcorrer do filme) emprestam o clima perfeito para o roteiro de Reginald Rose, adaptado de sua própria telepeça (transmitida em 1954 no programa Studio One) e filmado para tela grande em apenas 17 dias.
O tratamento tenso, extremamente lúcido e econômico, cai como uma luva para a subatuação de Henry Fonda, apesar disso representando, novamente, o personagem que se espera dele – o liberal bastião das idéias democráticas, em contraposição ao reacionarismo, o homem solitário (novamente o individualismo americano) que se apoia na ética para enfrentar um grupo retrógrado e egoísta.
Como sempre, os atores coadjuvantes americanos dessa época têm a oportunidade de brilhar intensamente. É o caso de Lee J. Cobb, E. G. Marshall e Ed Begley, respectivamente os jurados de números 3, 4 e 10, participantes daquele microcosmo que representa a classe média branca, preconceituosa e machista – é interessante notar que, entre os 12 julgadores, só há brancos e nenhuma mulher.
Está na berlinda, também, o próprio sistema do júri popular, cuja infalibilidade é um ponto de honra para a auto-estima do povo americano, chave de ouro do propagandeado american way of life. Até que ponto, estão aptas a julgar se uma pessoa deve ou não ser condenada à morte, doze outras influenciadas por seus preconceitos atávicos, fraquezas, raiva, indiferença, medos, ignorância, diferenças culturais, problemas pessoais?
27 de setembro, sexta-feira, 22h (repete dia 28, às 7h30min)
PAIXÃO DOS FORTES (My Darling Clementine),1946. Direção: John Ford. Produção: Samuel G. Engel. Roteiro: Samuel G. Engel e Winston Miller. Fotografia: Joseph P. MacDonald. Montagem: Dorothy Spencer. Música: Cyrill J. Mockridge. Direção de arte: James Basevi e Lyle R. Wheeler. Com Victor Mature, Linda Darnell, Walter Brennan, Cathy Downs, Ward Bond, Tim Holt, Alan Mowbray, John Ireland, Jane Darwell, Don Garner. PB. 97 minutos. Filmado em Kayenta, no Arizona, e no recorrente cenário natural de Ford – o Monument Valley, em Utah. Em 1991, foi um dos selecionados pelo National Film Preservation Board – iniciativa do Congresso americano – para ser preservado, com negativos e cópias remasterizadas.
Terceira versão do romance de Stuart N. Lake, Wyatt Earp, Frontier Marshall, de 1931, que já tinha sido filmado em 1934, por Lewis Seiler, e em 1939, por Allan Dwan.
A versão de Ford está entre os maiores westerns de todos os tempos, apesar de um pouco esquecido, em sua obra, durante algum tempo, depois de outros mais complexos, como Rastros de Ódio e O Homem que Matou o Facínora.
Os créditos iniciais são apresentados em placas de madeira, enquanto se ouve a conhecida "Oh My Darling Clementine", cantada por um coro de cowboys.
Os quatro irmãos Earp – Wyatt (Fonda), Morgan (Bond), Virgil (Holt) e o caçula James (Garner) – acampam nos arredores de Tombstone, no Arizona, conduzindo uma pequena manada.
O Velho Clanton (Brennan) aparece numa carroça e faz uma oferta pelos bois dos Earp. Wyatt acha muito pouco e não aceita.
Logo, os três irmãos mais velhos se dirigem à cidade. A manada fica aos cuidados do caçula.
Quando Wyatt entra na barbearia local, quase é atingido por tiros que destroem um espelho. Indignado, ele sai e acaba desarmando um índio bêbado dentro do saloon. Isso faz com que o prefeito lhe ofereça a estrela de xerife, que lhe fora devolvida, pouco antes, pelo antigo titular do posto. Mas Wyatt não aceita. Ele está apenas de passagem, com os irmãos, em direção ao México, para vender seu gado.
De volta ao acampamento, os Earp encontram James morto, caído no chão, e nem sinal da manada.
Eles voltam a Tombstone e Wyatt aceita o cargo de xerife, nomeando os irmãos seus delegados. Pretende vingar-se legalmente, capturando os ladrões e assassinos.
Ele fica logo sabendo que os Clanton são os grandes criadores locais e Doc Holliday (Mature, na melhor interpretação de sua carreira) quem controla o jogo na cidade.
Numa cena emocionante, Wyatt enterra o irmão perto de onde ele morrera e lhe promete, solenemente, que "talvez, quando deixarmos esta região, jovens como você poderão crescer e viver em segurança".
Na realidade, o tema principal do filme é justamente a chegada da civilização no Oeste. Tombstone é o símbolo do ponto de encontro entre as forças selvagens – a rudeza dos cenários, os brutais Clanton, a prostituta mexicana Chihuahua (Darnell) – e as da civilização – a barbearia, a nova igreja, os modos cultos de Holliday, os "respeitáveis" Earp, um ator shakespeareano e a escola e a professorinha Clementine. Esta, inclusive, e não os violentos personagens masculinos, é quem dá o nome original do filme.
O episódio do duelo de OK Corral é verídico. Deu-se em 26 de outubro de 1881. Mas John Ford se permitiu tomar grandes liberdades com a História para adequá-la ao seu ideal de Oeste – o equilíbrio entre a Lei e o espírito pioneiro.
Apesar de o clímax dramático ser aquele legendário duelo – quando os Earp e Doc, lado a lado, enfrentam os Clanton –, o momento mais marcante é a festa que acontece na igreja inacabada, numa manhã de domingo. Enquanto Wyatt dança com Clementine (Downs), a câmera os enquadra contra céu aberto. Por um breve instante, a cidade e a erma imensidão se fundem como num novo paraíso do Oeste.
Em 1994, foi encontrada a versão do director´s cut, acrescida de vários minutos.
Vários filmes foram feitos baseados em OK Corral e na vida de Wyatt Earp:
Frontier Marshal,1934, de Lewis Seiler, com George O´Brien.
A Lei da Fronteira (Frontier Marshal),1939, com Randolph Scott. Algumas cenas e diálogos foram reproduzidos na versão de John Ford.
Tombstone: The Town Too Tough To Die,1942, de William C. McGann, com Richard Dix.
Sem Lei e sem Alma (Gunfight at the OK Corral),1957, de John Sturges, com Burt Lancaster e Kirk Douglas (como Doc).
A Hora da Pistola (Hour of the Gun),1967, de John Sturges, com James Garner.
Massacre de Pistoleiros (Doc),1971, de Frank Perry, com Harris Yulin.
Tombstone – A Justiça Está Chegando (Tombstone),1993, de Goerge Pan Cosmatos, com Kurt Russell e Val Kilmer (como Doc).
Wyatt Earp (Wyatt Earp),1994, de Lawrence Kasdan, com Kevin Costner e Dennis Quaid (como Doc).
Wyatt Earp – Retorno a Tombstone (Wyatt Earp: Return to Tombstone),1994, telefilme de 1994, de Frank McDonald, com Hugh O´Brian.