Especiais


FESTIVAL DE BRASÍLIA 2013

19.09.2013
Por Daniel Schenker
Leia aqui uma cobertura diária de filmes do festival

RESULTADO – 46º FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO



LONGA-METRAGEM (FICÇÃO)



Filme - Exilados do Vulcão



Direção - Michael Wahrmann (Avanti Popolo)



Ator - Pedro Maia (Depois da Chuva)



Atriz - Maeve Jinkings (Amor, Plástico e Barulho)



Ator Coadjuvante - Calos Reichenbach (Avanti Popolo)



Atriz Coadjuvante - Nash Laila (Amor, Plástico e Barulho)



Roteiro - Claudio Marques (Depois da Chuva)



Fotografia - Aloysio Raulino (Riocorrente)



Direção de Arte - Dani Vilela (Amor, Plástico e Barulho)



Trilha Sonora - Mateus Dantas, Nancy Viegas, Bandas Crac! e Dever de Classe (Depois da Chuva)



Som - Fábio Andrade e Edson Secco (Exilados do Vulcão)



Montagem - Idê Lacreta e Paulo Sacramento (Riocorrente)



LONGA-METRAGEM (DOCUMENTÁRIO)



Filme – O Mestre e o Divino



Prêmio Especial do Júri – Outro Sertão, pelo trabalho de pesquisa



Direção - Maria Augusta Ramos (Morro dos Prazeres)



Fotografia - Leo Bittencourt e Gui Gonçalves (Morro dos Prazeres)



Trilha Sonora – Johann Brehmer (O Mestre e o Divino)



Som - Felippe Mussel (Morro dos Prazeres)



Montagem - Amandine Goisbault (O Mestre e o Divino)



CURTA-METRAGEM (FICÇÃO)



Filme  - Lição de Esqui



Direção - Ricardo Alves Jr. (Tremor)



Ator - Miguel Arraes (Todos esses Dias em que sou Estrangeiro)



Atriz - Rita Carelli (Au Revoir)



Roteiro - Leonardo Mouramateus (Lição de Esqui)



Fotografia - Matheus Rocha (Tremor)



Direção de Arte - Thales Junqueira (Au Revoir)



Trilha Sonora - Gustavo Fioravante e O Grivo (Fernando que ganhou um Pássaro do Mar)



Som - Bruno Bergamo (Sylvia)



Montagem - Frederico Benevides (Tremor)



CURTA-METRAGEM (ANIMAÇÃO)



Filme – Faroeste – Um Autêntico Western



CURTA-METRAGEM (DOCUMENTÁRIO)



Filme - Contos da Maré



Direção - Rafael Urban e Terence Keller (A que deve a Honra da Ilustre Visita este Simples Marquês?)



Fotografia - André Moncaio (O Canto da Lona)



Trilha Sonora - Fabio Baldo (Contos da Maré)



Som - Samuel Gambini (O Canto da Lona)



Montagem - Ivan Costa e Dácia Ibiapina (O Gigante nunca Dorme)



PRÊMIO DA CRÍTICA



Longa – Avanti Popolo



Curta - A que deve a Honra da Ilustre Visita este Simples Marquês?



PRÊMIO DO JÚRI POPULAR



Longa - Os Pobres Diabos



Curta – Faroeste - Um Autêntico Western



PRÊMIO CANAL BRASIL



Curta - A que deve a Honra da Ilustre Visita este Simples Marquês?



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Exilados do Vulcão



Paula Gaitán encerrou a mostra competitiva de ficção do Festival de Brasília com um filme que convida o espectador a uma apreciação contemplativa. A câmera se move lentamente e há um tempo próprio, inegociável, no modo detalhado (close) com que registra os corpos e a natureza, personagem fundamental desse trabalho.



Livre adaptação do romance de Christiane Tassis, Exilados do Vulcão é uma obra que assume a origem literária. Há uma proposta sensorial, promovida por narração em off, por belíssimas panorâmicas do ambiente natural e por notado aproveitamento do silêncio. Gaitán não fecha uma possibilidade de interpretação sobre a jornada de uma mulher (interpretada por Clara Choveaux) que encontra um diário e refaz os passos de um homem (Vincenzo Amato), com quem travou intenso relacionamento. Existe um jogo de espelhamento – as diferentes mulheres, flagradas em fases distintas da vida, parecem ser a mesma – em torno de uma personagem que paira, em plano elevado, sobre a paisagem urbana e se mistura à terra confirmando o elo inquebrantável com a natureza.



Exilados do Vulcão resulta de trabalho minucioso (a exemplo do cuidadoso desenho de som, a cargo de Fabio Andrade e Edson Secco) de uma diretora que permanece fiel a um cinema de investigação – vale lembrar do belo Diário de Sintra. Mas a realização também revela dificuldades: certas referências (como a do cineasta Abbas Kiarostami) não precisavam ser sublinhadas, uma vez que já estão evidenciadas nas imagens. E a duração (125 minutos) soa excessiva, a julgar pela esgarçada parte final.



Quinto Andar



Marco Nick assina uma animação simples, em especial no que se refere à predominância de determinadas cores (branco, cinza, preto e vermelho). Já a história de um personagem solitário que porta máscara de animal quando sai à rua e sofre com a infindável rotina do dia-a-dia (ele “só quer dormir quando todas as luzes se apagam”, dizem) pode render interpretações diversas. Em todo caso, diante das animações mostradas no Festival de Brasília, Quinto Andar apresenta um roteiro mais claro.



Tremor



Há um procedimento evidente atravessando Tremor. O diretor Ricardo Alves Jr. filma seu personagem principal de costas, depois de perfil e, finalmente, de frente. O protagonista, Elon Rabin (o ator empresta seu próprio nome ao personagem), sai à procura da mulher no Instituto Médico Legal. O curta trata dessa dolorosa jornada de reconhecimento, que começa nos corredores escuros do prédio de Rabin e terminam nos tortuosos do IML.



A Arte do Renascimento – Uma Cinebiografia de Silvio Tendler



Noilton Nunes não envereda por uma evocação convencional da carreira de Silvio Tendler. Diferentemente, prioriza o processo de renascimento (assinalado no título) do cineasta, que enfrentou graves problemas de saúde no final de 2011. “Não sinto vontade de parar, enquanto tiver oxigênio”, frisa Tendler que, ao final da projeção, enumera vários projetos profissionais.



Nesse documentário, a prioridade recai sobre a visão de mundo de Tendler. Nunes destaca a paixão por Copacabana (pela heterogeneidade humana, pela lembrança das salas de exibição de antigamente), a memória dos duros tempos da ditadura, o engajamento social diante da condição dramática dos menos favorecidos sob o ponto de vista econômico, a revolta em relação às dificuldades enfrentadas por parte do cinema brasileiro (“Hoje o cinema está sequestrado nos shoppings. Assistimos ao que os norte-americanos querem. Dizem que nossos filmes são fracassos, mas não contabilizam os espectadores do facebook, do vimeo”, profere, em dado momento).



A perspectiva de Tendler é sublinhada por depoimentos diversos (com o músico Caíque Botkay e o cineasta Sergio Santeiro, entre tantos outros). Mas, apesar de reunir bom material – há ainda a inserção de trechos de documentários de Tendler –, Noilton Nunes assina um documentário excessivamente disperso e destituído de rigor no acabamento.



Contos da Maré



Ao invés de retratar de forma realista o cotidiano dos moradores do complexo de favelas da Maré, conforme seria mais esperado, o diretor Douglas Soares traz à tona as lendas e crendices populares que marcaram as infâncias dos antigos moradores, perspectiva fantasiosa que não sobreviveu à passagem do tempo: as crianças que vivem atualmente na Maré não têm mais contato com essa tradição, talvez em decorrência de uma crescente perda da inocência, característica dos dias de hoje. Dado interessante, o cineasta empreende esse resgate por meio de entrevistas com seus próprios familiares, que, em certos momentos, portam máscaras das figuras referidas.



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Plano B



O discriminatório projeto de construção de Brasília – que não incluiu os integrantes das classes menos abastadas no plano piloto –, a continuidade e o agravamento do mesmo modelo (conforme constatados nos dias de hoje) voltam à pauta no documentário Plano B depois das contundentes abordagens de Vladimir Carvalho, em Conterrâneos Velhos de Guerra, e de Adirley Queirós, em A Cidade é uma Só?



Diretor de Plano B, Getsemane Silva evoca Brasília, Contradições de uma Cidade Nova, documentário de Joaquim Pedro de Andrade, realizado em 1967, que evidencia a lógica da exclusão presente no planejamento de Brasília, que afastou os trabalhadores para a periferia por meio de campanhas de erradicação (questão abordada, especificamente, em A Cidade é uma Só?), despejando-os em cidades-satélites concebidas sem qualquer estrutura. A Olivetti encomendou o filme e, diante do resultado incômodo, recusou-o.



Getsemane Silva traz à tona imagens da produção de Joaquim Pedro e as circunstâncias em torno das quais foi concebida. Para tanto, entrevista parte da equipe do filme de 67 – Jean-Claude Bernardet, roteirista, Affonso Beato, diretor de fotografia, e Joel Barcellos, diretor de produção, cujo reencontro foi registrado nesse novo documentário – e profissionais que estiveram próximos de sua gestação – Iole de Freitas e Edla Van Steen, que trabalharam, respectivamente, como designer e no departamento de publicidade da Olivetti na época. Também destaca o feito de Cosme Alves Netto – realçado por Gilberto Santeiro, atual diretor da Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro –, que salvaguardou o filme de Joaquim Pedro e outros não bem vistos durante o período da ditadura militar.



Determinados procedimentos empregados em Brasília, Contradições de uma Cidade Nova são destacados – como a utilização da trilha sonora e da narração, empregadas para satirizar a abordagem de uma capital idealizada e distante das demandas da realidade – em Plano B, documentário que também revela qualidades, como a montagem (de Sergio Azevedo), que aproveita o irônico comentário de Getsamane Silva ao se deparar com a foto de um barraco na Ceilândia (“é uma arquitetura bem modernista”) para imediatamente cortar e passar para a imagem do Museu de Arte Moderna, do Rio.



A que deve a Honra a Ilustre visita este simples Marquês?



A que deve a Honra a Ilustre visita este simples Marquês?, curta-metragem de Rafael Urban e Terence Keller, parece, de início, um trabalho acadêmico. A impressão, porém, logo se desfaz diante da presença de Max Conradt Jr., que, como um mestre de cerimônias, revela ao público sua imensa coleção, que toma boa parte de sua casa, composta por quadros, revistas nacionais (mais de dez mil exemplares) e livros sobre história e geografia paranaenses. Conradt Jr. se assume como colecionador compulsivo, mas agora o foco não recai sobre as obras que reuniu ao longo do tempo, e sim sobre a sua personalidade arquivista. Ao mesmo tempo em que dá a impressão de estar descortinando a vasta coleção para algum convidado em sua casa, Conradt Jr. é influenciado pela câmera, evidenciando o porquê de os documentaristas sempre chamarem seus entrevistados de personagens.



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Morro dos Prazeres



O cinema de Maria Augusta Ramos é realizado a partir de escolhas formais bem marcadas, o que implica em rigor e não numa sensação de artificialidade, a julgar por seus longas-metragens Justiça e Juízo. Novo documentário que fecha uma trilogia com os filmes anteriores, Morro dos Prazeres foi realizado em 2012, um ano após a implantação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) dentro da comunidade carioca. O habitual cuidado da diretora fica evidente na fotografia (de Guy Gonçalves e Leo Bittencourt), que mergulha dentro da geografia labiríntica da favela, e na corajosa opção em não utilizar trilha sonora, o que acentua a apreciável secura do trabalho.



Também cabe destacar a determinação em manter a câmera próxima dos personagens, decisão que ameaçaria a espontaneidade dos relatos. Maria Augusta Ramos pode, de fato, ser questionada em relação ao retrato que traça da UPP. Próximos à câmera, os policiais se mostram quase sempre educados, apesar de impositivos – certa rispidez só vem à tona perto do final –, no modo como determinam as regras de convivência e revistam os jovens moradores da comunidade. Mas a cineasta procura não tomar partido. E não deixa de registrar o desconforto de alguns residentes com a nova autoridade instalada e a suspeita de envolvimento de policiais na morte de um jovem, conforme ressaltada em noticiário televisivo. A proximidade da câmera também não parece intimidar os personagens nas passagens ambientadas dentro das casas.



Um detalhe: nos letreiros iniciais, o Morro dos Prazeres é localizado no centro do Rio de Janeiro. Talvez coubesse esclarecer que a comunidade fica em Santa Teresa, bairro da região central dotado de configuração geográfica específica que favorece o florescimento de favelas.



O Gigante nunca Dorme



O Gigante nunca Dorme, curta-metragem de Dácia Ibiapina, reúne as limitações próprias de um trabalho feito no calor da hora. Movida pelas constantes e recentes manifestações que vêm tomando conta do Brasil, a diretora focou no Movimento Passe Livre, no Distrito Federal, realizando uma retrospectiva da iniciativa, que começou em 2005, através de entrevista com uma integrante. Ibiapina registra tão-somente a reivindicação dos manifestantes e a decisão em centrar o filme numa única personagem entra em conflito – pelo menos, em certa medida – com a propagandeada característica de um movimento destituído de liderança.



Todos esses Dias em que sou Estrangeiro



Eduardo Morotó aborda a relação entre dois irmãos, que trabalham juntos num restaurante da Baixada Fluminense, num curta-metragem marcado por opções formais bem realçadas (em especial, a fotografia em preto e branco de Marcelo Martins Santiago). Há aspectos curiosos, como a despudorada conversa sobre sexo entre irmãos de faixas etárias diversas contrapostas a certos instantes em que essa diferença, em alguma medida, vem à tona (por meio do cigarro), e qualidades, em especial no que se refere aos trabalhos dos atores (destaque para Miguel Arraes). Mas o desenlace, decorrente de uma briga no restaurante, soa um tanto inverossímil, levando-se em conta a construção do deslocado irmão menor.



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Hereros Angola



Hereros Angola evidencia logo seus objetivos: fornecer ao público dados concretos acerca do povo habitante das terras do sudoeste de Angola por meio de um texto explicativo e de depoimentos centrados em relatos didáticos sobre diversos tópicos (os mecanismos de subsistência, o problema da seca, a poligamia permitida aos homens e o modo como as mulheres administram a relação conjugal); e investir numa certa espetaculosidade por meio de panorâmicas de natureza majestosa (fotografia de Hamilton Oliveira) embaladas por trilha sonora (de Bira Marques) excessiva em certos momentos.



O documentário de Sérgio Guerra tem inegável valor informativo (e reúne aspectos curiosos, como os túmulos ornados por chifres que parecem esculturas). Mas resulta algo limitado como expressão cinematográfica, problema que não é minimizado pelo esforço em conferir ao todo um padrão estético grandioso, apesar da conexão entre o universo primitivo descortinado na tela e uma paisagem repleta de árvores antigas, de galhos ressecados. Ressaltar a importância da tradição se impõe como espinha dorsal do filme. “A nossa tradição não deve acabar, apesar da modernidade estar aqui perto”, dizem. Em nome da tradição, o espectador se depara com imagens que agoniam: mortes de bois, extração de dente e circuncisão de crianças.



Carga Viva



O argumento singelo – o cotidiano de uma família do meio rural que ganha a vida levando burrinhos para servirem de atração às crianças num parque de diversões da cidade – não restringe a apreciação do curta-metragem Carga Viva, de Débora de Oliveira. A segurança no manejo das ferramentas cinematográficas pode ser percebida através da utilização do som ambiente (a cargo de Pedro Aspahan) e da ótima fotografia (de Lucas Barbi). A câmera, observadora, estimula o interesse em torno das conversas banais do dia-a-dia travadas pelos personagens.



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O Mestre e o Divino



O diretor Tiago Campos coloca o público diante de personagens interessantes: o cineasta xavante Divino Tserewahú e, principalmente, o missionário alemão Adalbert Heide, que passou a viver entre os índios após conhecê-los, em 1957, e a realizar filmes com sua câmera em Super 8. O documentário aborda a relação entre ambos, que já atravessa décadas. Mas, ao longo da projeção, a figura de Heide – que não só aprendeu a falar xavante como começou a criar palavras na língua indígena e capitaneou iniciativas, como a de um cineclube na aldeia de Sangradouro, no Mato Grosso – se impõe.



Não por acaso, o missionário ganhou a alcunha de “índio branco”. Excêntrico, evidencia a necessidade de ter controle sobre as situações. Reedita com constância seus próprios filmes. Assinala recomendações aos espectadores através de letreiros estampados na tela – referentes a como devem ver as obras. E externa discordância acerca do retrato cinematográfico que ganhou de Eike Schmitz. “Ele colocou muitas coisas que não me agradaram”, sentencia.



Divertido em boa parte do tempo, O Mestre e o Divino também revela feitos importantes, como a recuperação, na Alemanha, das versões originais dos filmes de Heide. De maneira mais tímida, Campos assume o caráter de trabalho em processo, frisado através de narração em off centrada no próprio ato de feitura da obra e de presença da equipe de filmagem.



O Canto da Lona



A programação documental contou ainda com o curta-metragem O Canto da Lona, de Thiago Brandimarte Mendonça, que evoca a vida no circo por meio de depoimentos de artistas do passado e de expressivo baú fotográfico. Um circo que se aproximava mais do texto do que do espetáculo feérico, tendo em vista a base buscada em peças escritas para essa manifestação e adaptações de filmes (Mazzaropi desponta como influência). Cabe questionar a opção estética, baseada num contraste um tanto evidente entre as imagens em preto e branco e a cortina, elemento emblemático da arte teatral e circense, em vermelho.



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Outro Sertão



Ao trazerem à tona os quatro anos de permanência de João Guimarães Rosa em Hamburgo – entre 1938 e 1942, período em que ocupou o cargo de vice-cônsul –, as diretoras Adriana Jacobsen e Soraia Vilela entrelaçam documentos históricos com impressões pessoais.

Os acontecimentos relacionados ao cotidiano na Alemanha e ao avanço do regime nazista são evocados por meio da fala poética de Guimarães Rosa (voz em off de Rodolfo Vaz, ator do Grupo Galpão, adequadamente contida), procedimento que evita uma correspondência reiterativa entre texto e imagem. Dividido em capítulos (a chegada, o amigo, o diário, o escritor, o diplomata, o alarme, a partida), o filme coloca o público diante de um recorte da trajetória profissional de Rosa, destacando opiniões – gostava da cultura e da língua alemã, mas não da comida –, costumes – o ímpeto em anotar tudo – e informações – a concepção do monumental Grande Sertão: Veredas, seu “Fausto sertanejo”, relatada em entrevista realizada na Alemanha, nos anos 60, e, em especial, a determinação em salvar famílias judias da fúria nazista, feito concretizado juntamente com Aracy de Carvalho, funcionária do consulado e mulher de Rosa.

Ao evocarem a humanitária atuação de Guimarães Rosa, duas mulheres falam a partir da memória, tendo em vista a escassez de material de comprovação.  Outro Sertão mostra que a memória preenche, de forma inevitavelmente imprecisa (mas, nem por isso, menos preciosa), a falta de documentação; e mesmo quando se está frente a registros concretos, não há como deixar, em alguma medida, de interpretá-los. Afinal, o passado, irrecuperável, é sempre uma recriação. A destacar, a trilha sonora a cargo de O Grivo.



Luna e Cinara



Ao abordar a amizade entre a avó, Luna Galano Mochcovitch, e a empregada, Cinara Magalhães Neves, a diretora Clara Linhart assina um curta-metragem de fluxo propositadamente interrompido, tanto no que se refere aos diálogos entre as duas personagens, destituídos de continuidade, como à câmera acidentada, abrupta, da cineasta, que cola nos rostos de ambas. Não permite, assim, que se “esqueçam” de que estão sendo filmadas. Essa evidenciação do artifício cinematográfico se sobrepõe, em alguma medida, às interessantes características reunidas em relação à Luna – que concilia um certo padrão aristocrático com um elo menos hierarquizado com a empregada – e Cinara – que externa necessidade de evidenciar seu aprendizado no contato com a patroa/amiga, com quem vai ao cinema assistir a As Neves do Kilimanjaro, de Robert Guédiguian.

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