Se para um crítico de cinema é difícil escolher o que priorizar entre os cerca de 300 títulos exibidos nos 14 dias de Festival do Rio, imagine para o cinéfilo comum. Não é à toa que nas semanas que antecedem o evento as nossas caixas postais ficam cheias de e-mails de leitores pedindo dicas do que assistir. Segue abaixo minha modesta tentativa de ajudá-los. E acompanhe as nossas críticas dos filmes em exibição, que serão atualizadas diariamente. Depois, comente o que achou. Sua opinião será sempre bem-vinda.
Bom festival!
Marcelo Janot
Editor
janot@criticos.com.br
Antes de tudo, duas dicas básicas:
1 - Ao consultar a programação do Festival, observe se o filme que você pretende ver está legendado ou tem legendas eletrônicas. Se a cópia já está legendada, significa que ele foi comprado por alguma distribuidora brasileira e deve ser lançado comercialmente. Às vezes entra em cartaz logo após o fim do evento, às vezes pode demorar quase um ano. Para quem tem paciência, vale a pena esperar e ocupar seu tempo com os filmes com legenda eletrônica, que poderão ficar inéditos comercialmente para sempre. O mesmo vale para os filmes nacionais da seção Première Brasil (com exceção dos curtas, é claro).
2 – Fique atento à duração dos filmes. Caso você vá assistir vários filmes no mesmo dia, em diferentes cinemas, dê um intervalo razoável entre eles, porque é comum sessões atrasarem ou serem interrompidas no meio por problemas com a legendagem.
Agora, o que, na minha opinião, vale a pena ver em cada seção:
PANORAMA
É a seção com mais títulos, e com os títulos mais badalados do Festival. Geralmente são filmes aguardadíssimos como Elefante, de Gus Van Sant, Dogville, de Lars Von Trier, ou o ótimo Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola, os que primeiro esgotam os ingressos. Mas estes já têm lançamento comercial garantido, mesmo Dogville, que aqui será exibido com legenda eletrônica, na versão original do diretor de 177 minutos (a comercial terá cerca de meia hora a menos). A ida a Dogville se justifica ainda para aqueles que pretendem assistir também ao documentário Confissões de Dogville, sobre os bastidores da produção do filme, que tem toda a pinta de extra de DVD.
O que eu privilegiaria:
- Dogville, de Lars Von Trier
- Angústia, de Oskar Roehler (prêmio da crítica –FIPRESCI- em Berlim)
- Eu, Taraneh, Nos Meus 15 Anos, de Rasul Sadrameli
- Osama, de Siddiq Barmak (primeiro filme feito no Afeganistão pós-talibã, premiado em Cannes)
- As Maletas de Tulse Luper, de Peter Greenaway
- Viajantes e Mágicos, de Khyentse Norbu (primeiro longa feito no Butão)
- A Vingança, de Andrzej Wajda
- Estranhos Jardins, de Jean Becker
BLACK DOCS
Esta seção reúne documentários com temas relacionados à raça negra.
O que eu privilegiaria:
- Um Duque Chamado Ellington, de Terry Carter (sobre o jazzista Duke Ellington)
- Oscar Micheaux e Os Filmes Raciais, de Pearl Bowser (sobre a quase desconhecida produção cinematográfica negra americana do início do século passado)
O BONEQUINHO VIU
Filmes exibidos de graça numa tela gigantesca montada na areia, em frente ao Hotel Copacana Palace.
O que eu privilegiaria:
Não dá pra perder A Noviça Rebelde em tal cenário.
CINE BRASIL:
Filmes brasileiros já lançados comercialmente (alguns pouco vistos, como os ótimos Ônibus 174 e Separações)
FILME DOCUMENTO:
Documentários sobre bastidores do mundo do cinema, que dificilmente entrarão em cartaz.
O que eu privilegiaria:
Tenho curiosidade de ver todos (são seis títulos).
EXPECTATIVA
Dedicada a filmes de novos cineastas, é a seção mais difícil de decidir o que escolher, porque muitos são verdadeiras incógnitas. O negócio é arriscar mesmo.
O que eu privilegiaria:
- A Captura dos Friedmans, de Andrew Jarecki (documentário premiado no Sundance este ano)
- Meu Nome é Ciúme, de Park Chanok
- A Prova, de Nasser Refaie
- O Mar, de Baltasar Kormákur (prêmio da crítica –FIPRESCI- no Festival de Istambul)
- O Anjo À Minha Direita, de Jamshed Usmonov (prêmio da crítica –FIPRESCI- no Festival de Londres)
- Tempo de Protesto, de Sam Green e Bill Siegel
FEDERICO FELLINI
Três documentários sobre o maior cineasta italiano de todos os tempos.
O que eu privilegiaria:
Pretendo ver todos.
FOCO ITÁLIA
A nova safra italiana, salvo raríssimas exceções, anda sumida das telas brasileiras há um bom tempo. Ótima oportunidade, então para se atualizar. Um dos destaques é o ótimo Para Sempre na Minha Vida, filme que Gabriele Muccino dirigiu antes de O Último Beijo, mas esse já tem distribuição garantida no Brasil.
O que eu privilegiaria:
- Bom Dia, Noite, de Marco Bellocchio (melhor roteiro em Veneza)
- Um Mundo de Amor, de Aurelio Grimaldi (que reconstitui ficcionalmente um nebuloso episódio da biografia do cineasta Pier Paolo Pasolini)
- Um Outro Mundo É Possível, documentário que leva a assinatura de 33 diretores, entre eles Ettore Scola, Mario Monicelli, Gabriele Salvatores.
- Filhos da Tortura, de Marco Bechis
GERAÇÃO FUTURA
Filmes para crianças inteligentes, dublados ao vivo (no caso dos estrangeiros). Destaque para as cópias novas de Aventuras com o Tio Maneco (1971) e Pluft, O Fantasminha (1961).
LIMITES E FRONTEIRAS – IMAGENS DA PALESTINA
Boa oportunidade de olhar para a Palestina sem o filtro da CNN. O destaque é a obra-prima Intervenção Divina, dirigido e estrelado por Elia Suleiman, que será lançado em breve no Brasil.
O que eu privilegiaria:
- Passagem para Jerusalém, de Rashid Masharawi
- Programa 2, que reúne na mesma sessão o curta Cyber Palestine (no qual Maria e José são palestinos), de Elia Suleiman, e Atravessando a Kalândia, documentário premiado de Sohbi Al-Zobaidi.
- Programa 5, que reúne o making of do filme Passagem para Jerusalém e o média-metragem Imagens de Jerusalém, de Najwa Najjar, que conta a história da cidade sob a ótica do cinema mais importante do local, que funcionou de 1940 a 1989.
- A Colheita das Olivas, de Hanna Elias (mostra como uma história de amor pode ser contada com dignidade, respeitando as tradições culturais de um povo, ao contrário de porcarias ofensivas como Casamento Grego)
LOUCOS POR CINEMA
Filmes trash nacionais finalmente ganham uma oportunidade para aparecer. Não, não estamos falando de O Guarani ou A Paixão de Jacobina, mas sim de obras de cineastas como o Simião Martiniano, Afonso Brazza e David Rangel.
O que eu privilegiaria:
- O Vagabundo Faixa-Preta, obra-prima de Simião Martiniano
- Tortura Selvagem, de Afonso Brazza
- O Senhor do Universo, de David Rangel (a vida de Cristo com diálogos tirados de uma novela da Rádio Nacional)
75 ANOS DO MICKEY
Seleção de nove curtas históricos estrelados por Mickey Mouse.
MIDNIGHT MOVIES
Filmes que, por diversas razões, têm vocação (ou pretensão) para se tornarem cults, como The Brown Bunny, dirigido pelo ator Vincent Gallo, que parece ter realizado esta obra com o único objetivo de receber um boquete da bela atriz Chlöe Sevigny. Ou então Ken Park, em que o mesmo diretor de Kids, Larry Clark, tenta radicalizar com as bizarrices que coloca em cena, mas erra a mão e acaba soando gratuito demais.
O que eu privilegiaria:
- The Brown Bunny, de Vincent Gallo (mulheres, cuidado que as sessões estarão povoadas de tarados!)
- Jogos, Deuses e LSD, de Peter Mettler
MARIO MONICELLI
Oportunidade para conferir filmes raros e obras-primas do longevo cineasta italiano Mario Monicelli. Atenção: ao adquirir o ingresso é recomendável checar se algum filme será exibido sem legendas. Parente é Serpente e o maravilhoso O Incrível Exército Brancaleone já estão à venda em DVD por precinhos camaradas nas bancas de jornal.
O que eu privilegiaria:
- Os Eternos Desconhecidos (1958)
- Os Companheiros (1963)
- Golpe de Estado à Italiana (1973)
- Romance Popular (1974)
- Senhoras e Senhores, Boa Noite (1976)
- Caro Michele (1976)
- Viva Itália! Os Novos Monstros (1977)
MUNDO GAY
Filmes de temática gay e estilos diversos.
O que eu privilegiaria:
- Não Se Preocupe, É Só Uma Fase, de Cecilia Neant Falk (prêmio da crítica –FIPRESCI- no Festival de Sidney)
- Fale Que Nem Homem – Gays Na Zona Rural, de Jochen Hick
MUSICAIS
Oito musicais que marcaram época serão exibidos à meia-noite no Cine Odeon, em sessões que podem virar verdadeiros happenings, como a de Rocky Horror Picture Show, em que a platéia interage com o filme.
O que eu privilegiaria:
- Hair, de Milos Forman
- A Noviça Rebelde, de Robert Wise
- Pink Floyd – The Wall, de Alan Parker
- Rocky Horror Picture Show, de Jim Sharman
ORSON WELLES
Esta grande e completíssima retrospectiva de Orson Welles é obrigatória para qualquer cinéfilo. Reúne todos os filmes dirigidos por Welles, além de documentários, sobre ele, filmes em que Welles atuou, programas de TV que dirigiu, etc.
O que eu privilegiaria:
- Os filmes dirigidos por Orson Welles e os documentários sobre ele. O restante é de acordo com sua disponibilidade e curiosidade.
PREMIÈRE AMERICA
Filmes hollywoodianos que vão entrar em cartaz em breve.
O que eu privilegiaria:
Nada.
PREMIÈRE BRASIL
Reúne títulos ainda inéditos comercialmente, divididos em mostra competitiva de ficção, documentário e curtas, hors-concours, retratos (documentários biográficos). Quase todos devem entrar em cartaz (sabe-se lá quando, porém), com exceção dos curtas.
O que eu privilegiaria:
- Curtas (Programas 1 e 2)
PREMIÈRE LATINA
Nesse caso, o título “Première” não pode ser identificado como pré-estréia, porque o circuito comercial brasileiro ainda reluta a se abrir para nuestros hermanos latinos. Portanto, muitos desses permanecerão inéditos. Outros, como o bom Lugares Comuns (premiado em Gramado), O Mesmo Amor, a Mesma Chuva, filme de 1999 do mesmo diretor de O Filho da Noiva, e Apaixonados (eleito pelos críticos argentinos um dos piores filmes de 2002), já têm distribuição prometida no país.
O que eu privilegiaria:
- Ana e Os Outros
- Tão de Repente
OUTROS EVENTOS DO FESTIVAL DO RIO 2003:
MENINO DE ENGENHO
Não percam a exibição, em cópia restaurada, de Menino de Engenho, de Walter Lima Jr., dia 5, às 14h30, no Odeon.
CONFERÊNCIA SOBRE A CRÍTICA
Separem a manhã/tarde do dia 8 para um encontro com os críticos! A nossa tão polêmica atividade estará sendo discutida em duas mesas no Copacabana Palace, com a presença de críticos nacionais e estrangeiros, aberta ao público e com entrada franca. Confira a programação:
Mesa 1 - 10h
Critica e leviandade em jornalismo de massa
O jornalismo cada vez mais comprometido com vendas massivas estimula a leviandade do critico? Por sua vez, a crítica restrita aos veiculos especializados fala com o público ou consigo mesma? A crítica reflexiva, responsável, é capaz de atingir o grande público? Quais os efeitos mais perversos da ditadura das cotações (que muitas vezes não é produto de um conselho mas do arbitrio de uma só pessoa) e o que o crítico pode fazer para minorá-los?
Mesa: Andrea Martini(ITALIA), Edward Weintrop(FRANÇA), Joao Luiz Vieira(BRASIL), Pedro Butcher(BRASIL), Debora Young(EUA).
Moderador: Nelson Hoineff (BRASIL)
Mesa 2 - 14h
Novas mídias, independencia e responsabilidade
A internet tem atuado como uma das instancias de neutralização à leviandade estimulada por muitos jornais e revistas. De que modo o critico pode usar essa midia para exercer sua independencia e buscar formas criativas de se expressar? Existe uma linguagem crítica própria à rede? Ela estimula textos mais profundos e consequentes sobre os filmes?
Mesa: Diego Lerer (ARGENTINA), Pamela Bienzobas (CHILE), Eduardo Valente (BRASIL), Neusa Barbosa (BRASIL).
Moderador: Marcelo Janot (BRASIL)