O cinema de animação brasileiro é bicampeão no mais importante festival do gênero no mundo. Depois da vitória de Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi, na edição de 2013, o prêmio de melhor longa deste ano ficou com O Menino e o Mundo, de Alê Abreu. O filme venceu pelos júris oficial e popular. Feitos inéditos para nós, essas vitórias colocam a animação brasileira num patamar de enorme visibilidade e estimulam a produção mais que qualquer outra coisa. O Festival de Annecy, que terminou ontem, tinha ainda dois filmes brasileiros fora de competição: Até que a Sbórnia nos Separe, de Otto Guerra e Ennio Torresan Jr., e o documentário Luz, Anima, Ação, de Eduardo Calvet, sobre a história da animação brasileira.
Abaixo, a resenha que publiquei quando do lançamento de O Menino e o Mundo, em janeiro último:
O Menino e o Mundo, segundo longa de Alê Abreu (Garoto Cósmico) é mais um feito admirável da animação brasileira. Se Uma História de Amor e Fúria ganhou o Festival de Annecy com um estilo mais próximo da animação comercial americana (embora muito bem adaptado à História brasileira), o filme de Alê está também se projetando internacionalmente mediante uma maior identificação com as tradições da animação europeia e canadense. Desenhos delicados, composições elaboradas revezando-se com outras ousadamente minimalistas (o uso do branco, por exemplo, é de uma coragem notável), uma sofisticada relação entre espaços e tempos que se reflete nas variações do estilo e das técnicas ao longo do filme.
Na história do menino que vê o pai sumir no mundo e sai atrás de uma imagem paterna, atravessamos sucessivamente do mundo rural e atemporal para o paroxismo das mensagens urbanas, para uma distopia futurista em que se destaca uma neofavela à moda de Blade Runner e até para uma passagem pelo abstracionismo imaterial do universo dosbits. Saindo em busca de um pai, o menino descobre a realidade da exploração do trabalho, da opressão industrial e da destruição ambiental. Em dado momento, o filme faz um aceno aos animadocs, incluindo cenas ao vivo de documentários como Iracema, ABC da Greve eEcologia, os dois últimos de Leon Hirszman.
Além do encantamento visual ininterrupto, Alê Abreu nos brinda com um trabalho sonoro belíssimo – do idioma inventado em que falam os personagens à trilha sonora inspirada de Gustavo Kurlat e Ruben Feffer, com participação de Naná Vasconcelos. O som do filme é constitutivo de sua dramaturgia a partir do equivalente sonoro à presença/lembrança do pai e equaliza referências brasileiras e latino-americanas num amálgama em que tantos de nós podemos nos reconhecer.
Afora um ato final um tanto confuso, especialmente para o público infanto-juvenil, O Menino e o Mundo tem arte e engenho de sobra para cativar espectadores de várias idades e latitudes.