O tema é polêmico. Os que se dedicam ao teatro se mostram sempre insatisfeitos, mas é difícil encontrar duas pessoas que concordem em relação a qual deveria ser a função da crítica. Quem é seu interlocutor por excelência? Pode o crítico almejar contribuir para a formação do artista e do leitor leigo? Deveria o crítico trabalhar pela transformação da realidade ou pela qualidade do estabelecido?
O período áureo da crítica pode ser identificado na década de 60 e seus arredores, quando os textos ocupavam por vezes toda a página do jornal, podendo se estender por dois ou três dias em comentários sobre um mesmo espetáculo. O crítico não apenas discorria sobre a peça encenada como sobre o conjunto da obra do autor e suas encenações mais importantes, identificava os procedimentos cênicos e os analisava à luz da trajetória da equipe, avaliava o significado daquela encenação no panorama nacional, discutia a “mensagem”. Mudou a crítica, a reboque das mudanças sociais, mudou a forma de se fazer teatro e até sua fruição. Levanto brevemente quatro aspectos:
- os cadernos de cultura deixaram de ser o cartão de visitas do jornal, sua fonte de status junto à elite intelectual, e a crítica passou a ter função de guia de programa e a obedecer a leis do mercado do entretenimento;
- o número de espetáculos oferecidos ao público cresceu de 5 para 50, tornando impossível a visão unitária de um panorama artístico e seu acompanhamento;
- os artistas perderam continuidade no palco, tornando suas realizações eventos dispersos no tempo e no espaço (as companhias se desvincularam das salas);
- o debate teatral arrefeceu, talvez pela falta de um público inquieto, talvez pela incompetência do próprio artista em instigá-lo.
Yan Michalski deixou a crítica em 1982, legando, em um extenso artigo para os Cadernos de Teatro, uma radiografia das relações entre o teatro e a mídia naqueles tempos. Para ele, a função da crítica consistiria em oferecer ao leitor recursos para uma fruição mais consciente, levando-o à conclusão de que “um teatro mais exigente, que ele normalmente teria tendência de evitar, pode ser para ele tão ou mais gratificante quanto as comédias comerciais que ele normalmente teria tendência de procurar.” Seus textos são documentos históricos que, longe de valorar a obra, registram em palavras uma estética que, sem a competência do crítico, está condenada à fugacidade.
Em tempos de internet e democratização da informação, pode-se almejar uma crítica menos centralizada, hoje ainda restrita a um único nome em cada um dos poucos jornais da cidade. E pode-se desejar que o próprio artista recobre o interesse em discutir seu trabalho, ressuscitando talvez a esquecida prática dos debates com o público, que motiva a reflexão e torna a fruição menos superficial e mais plena.
Rosyane Trotta é pesquisadora e professora de teatro
Texto publicado no Jornal do Brasil em 11-03-2004