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A ARTE DA CRÍTICA: TELEVISÃO

23.03.2004
Por Nelson Hoineff
EXISTE CRÍTICA TELEVISIVA?

Uma resposta estimulante à pergunta acima certamente não pode ser dada a partir da leitura dos jornais brasileiros. Mas existe um pensamento televisivo, por menos que os espectadores possam acreditar. Aldo Grasso, crítico de televisão do Corriere della Sera, tem uma explicação para isso: "A grande inquietação da crítica televisiva nasce de uma dificuldade lógica insolúvel: o substantivo ´crítica´ se refere a uma atividade que se exerce normalmente no campo estético; o adjetivo ´televisiva´ indica a presença de uma matéria que parece haver perdido toda conotação estética".



Lá na Itália, onde Grasso escreve, faz-se uma péssima televisão - que Fellini se encarregou de ridicularizar em filmes como A Doce Vida, I Clowns e Ginger e Fred - mas pensa-se televisão com mais vitalidade que na maioria da Europa. Críticos como Sartori, Casetti, Caprettini e o próprio Grasso (autor de uma importante história da televisão italiana) indicam que é possível construir pensamentos consistentes sobre bases instáveis.



Chamar de instável a base sobre a qual se assenta o nível médio da televisão brasileira é bastante generoso. Pensa-se pouco - e mal - a televisão que se faz no país. O resultado tem sido igualmente desastroso para a arte e para o negócio televisivo. Quarta-feira passada, por exemplo, José Luis Datena foi à loucura com o baixo resultado de seu programa na Bandeirantes e exibiu publicamente o medidor do Ibope. Antes de sujeitar a emissora a uma pesada multa, conseguiu revelar ao público que seu show não estava passando de 1,7 ponto de audiência.



Por linhas tortas, estava provando que os programas policialescos do horário de acesso estão disputando, ao contrário do que muitos acham, faixas bem estreitas de público - e menores ainda do bolo publicitário. O povão não compra. Os anunciantes também não. Quem está sustentando essa mentira é o pavor da possibilidade de fazer melhor.



Enquanto o apresentador desnudava o próprio Ibope, a Globo anunciava seus resultados financeiros. A rede ficou com 78% de todo o bolo publicitário para a TV, muito acima do seu share de audiência. A leitura é óbvia: a popularidade de uma programação não é diretamente proporcional à sua capacidade de ser ruim.



Assim como a resposta do público não se prende à banalidade do que lhe é oferecido, a atividade crítica não pode ser exercida a partir dos padrões emanados do próprio veículo. Se fosse assim, Sergio Mallandro, que é líder em sua emissora, seria um modelo de avaliação estética. A questão é: a dificuldade lógica a que se refere Aldo Grasso está sendo compartilhada pela crítica brasileira? As evidências não são muito envaidecedoras para a crônica cotidiana de TV. Haverá então razões de preocupação. Pior que uma televisão mal feita é a crença de que a mediocridade esteja na natureza do veículo - e não na cabeça de quem está fazendo mau uso dele.



Texto publicado no Jornal do Brasil em 10-03-2004

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