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A ARTE DA CRÍTICA: UM BALANÇO

24.03.2004
Por Carlos Alberto Mattos
LUZES NO “BURACO NEGRO”

A julgar pela diversidade das opiniões que circularam nas oito mesas do simpósio A Arte da Crítica, realizado de 9 a 19 de março pelo Centro Cultural Banco do Brasil (RJ), em parceria com a Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, determinar o papel da crítica é tão difícil quanto seria determinar o papel da própria arte. Não faltaram definições da função dos críticos e receitas para o melhor exercício dessa atividade. Vejamos algumas, a título de ilustração:



“O melhor crítico é o crítico cético, que multiplica perguntas em vez de dar respostas”. Adriana Lisboa, escritora.



“O crítico tem que proteger o leitor contra a má qualidade do que lhe é oferecido”. Barbara Heliodora, crítica teatral.



“A era da crítica como mediadora e separadora já foi revogada. Quem diz o que é arte é o artista, e não quem escreve sobre ele”. Fernando Cocchiarale, crítico e curador de artes plásticas.



“Defendo o crítico pedagogo, o animador cultural”. Silviano Santiago, escritor e crítico literário.



“O crítico é parte da indústria cultural”. José Wilker, ator e comentarista de cinema.



“O crítico não deve avaliar o resultado da obra, mas analisar o processo e a estrutura”. Murilo Salles, cineasta.



“A crítica deve formar gosto e propiciar uma curiosidade atenta no leitor”. Luiz Camilo Osório, crítico e curador de artes plásticas.



“Quando o crítico antecipa uma interpretação do filme ou escreve coisas que eu não entendo, fico frustrada”. Uma espectadora no debate sobre crítica de cinema.



“Espera-se que a crítica venha tornar a arte visível para o público”. Anna Bella Geiger, artista plástica.



“O texto crítico tem que ter uma poética própria, que exprima a sensibilidade do crítico”. Marcia Milhazes, coreógrafa.



“Crítica não é arte”. Luiz Camilo Osório.



“Só sei fazer crítica com opinião pessoal. Não sei dar uma opinião impessoal ou a opinião de outra pessoa”. Arthur Dapieve, crítico de música e colunista cultural.



“Crítica é uma coisa, opinião é outra”. Hugo Sukman, repórter e crítico de música.



“A crítica hoje não é muito importante”. Artur Xexéo, editor de jornal e colunista.



Quem assistiu a mais de um debate percebeu melhor a dança dos conceitos, que evoluía ao sabor das peculiaridades de cada área. A crítica de cinema carioca, por exemplo, tem na pluralidade um de seus trunfos, mas sofre de um abismo não preenchido entre a ligeireza das resenhas de jornal e as análises mais aprofundadas dos estudos universitários. Nesse caso, cobra-se do crítico jornalístico algo que seus veículos nem sempre querem propiciar: espaço e densidade. A noção de que o leitor exige superficialidade e padronização impera nas editorias. Por isso, em diferentes momentos do simpósio ouviram-se críticos clamando aos leitores insatisfeitos que exijam mais de seus jornais. E os e-mails dos editores de cadernos culturais são uma excelente ferramenta para essa reivindicação.



Na área de teatro, ocorre um fenômeno diferente: os críticos são poucos e não há renovação de critérios há décadas cristalizados nos principais jornais. Ao contrário do cinema, onde a população de críticos é “quase um índice demográfico” (conforme expressão da jornalista Nayse Lopez), no teatro como na dança raramente surgem novos talentos críticos. Os que estão no mercado parecem cansados de uma movimentação incessante nos palcos, com níveis de qualidade que freqüentemente deixam a desejar. A crítica e professora Tania Brandão foi a única na mesa a ver isso com bons olhos, apontando para uma necessidade de se diversificarem os padrões de análise dos espetáculos oferecidos. Nesse sentido, é estimulante ver que O Globo já começa a pôr em prática A Peça em Questão.



A independência do crítico esteve sempre na pauta de discussões. Para Artur Xexéo, a crítica de jornal não pode ser inteiramente independente, sob pena de entrar em conflito com o leitor. No caso da crítica de TV, os interesses do sistema Globo também relativizam a autonomia do crítico, enquanto nos suplementos literários a força do marketing das grandes editoras pode determinar o espaço e a qualidade do que é dito sobre determinados lançamentos.



No capítulo da independência, a mesa sobre crítica de dança foi uma das mais curiosas. Num setor diminuto e coeso, onde jornalistas, curadores e artistas trabalham juntos em várias esferas, a afirmação do juízo crítico requer uma operação delicada: “Admito que escrevo quase sempre sobre amigos, mas quanto mais imersa na atividade, mais eu fico vigilante”, afirmou Silvia Soter, crítica de O Globo. Já os críticos de música popular tiveram bastante trabalho para explicar como preservam sua autonomia ao mesmo tempo em que prestam serviços constantes às gravadoras, na confecção de releases e textos para encartes de discos.



A liberdade do crítico é matizada também pela sua responsabilidade no meio, a necessidade de veicular critérios transparentes e de atuar dentro de certos limites de sobriedade. Foi interessante, por exemplo, ouvir o cantor Lobão desqualificar boa parte do status quo da MPB, para logo em seguida explicar que falava como artista e dono de “interesses na área”. E que não se pronunciaria com a mesma verve se estivesse escrevendo uma crítica na nova revista Outra Coisa, que edita.



Para muitos, a crítica é uma questão de poder. A palavra do crítico, se bem posicionada, pode aumentar a venda de um livro, levar mais espectadores a ver um filme de lançamento pequeno ou, na via inversa, prevenir o público contra uma peça de teatro. De maneira geral, percebe-se que os críticos têm muito mais prazer em elogiar do que em fazer restrições. Daí a tendência ao que Affonso Romano de Sant’anna chamou de crítica de celebração. O crítico prefere escrever sobre aquilo de que gosta, deixando de se manifestar sobre o que não lhe agrada. Nas áreas de música popular e literatura, por exemplo, em que a oferta de produtos é muito maior que a capacidade de resenhá-los nos jornais, a seleção freqüentemente se pauta pela admiração.



Um dos debates mais calorosos, como previsto, foi o dedicado às artes plásticas. Affonso Romano de Sant’anna e Fernando Cocchiarale polarizaram a discussão sobre o papel que se espera do crítico frente à arte contemporânea. O primeiro, como fez há algum tempo em sua coluna de jornal, pediu uma maior atenção para “o que não é arte”. O segundo rejeitou a idéia do crítico-juiz e delegou aos artistas e ao tempo o poder de definir o que seja a arte e o que mereça reconhecimento.



No tiroteio de idéias ao longo dos oito dias de debate, o mais atingido foi o sistema da mídia, que vem amofinando a ação dos críticos e se rendendo ao império da banalidade. Enquanto a buscar alternativas para um exercício mais criativo de seu trabalho, os críticos não apresentaram grandes soluções. O tema da crítica na internet foi apenas tangenciado aqui e ali, deixando claro que ela ainda não constitui uma variante realmente influente. O mesmo se pode dizer da crítica em veículos especializados, de circulação pouco significativa. A impressão geral é de que os críticos ainda têm diante de si o desafio de encontrar formas menos usuais de diálogo com o público, à margem dos grandes esquemas editoriais.



No entanto, ficou evidente que o assunto “crítica” continua a mobilizar o interesse de uma platéia considerável. À exceção da mesa sobre música clássica, todas contaram com a assistência máxima para a capacidade das respectivas salas. Cerca de 1.200 pessoas compareceram ao simpósio, onde 40 críticos, editores e artistas se distribuíram através das oito mesas. Pode não ter saído dali nenhuma fórmula para a crítica perfeita, mas esse ofício melindroso, que para tantos ainda se afigura como um “buraco negro”, certamente ficou um pouco mais iluminado.





Clique abaixo para ler os textos de artistas e críticos, publicados pelo Jornal do Brasil sobre cada área enfocada em A Arte da Crítica.



ARTES PLÁSTICAS

LEIA O TEXTO DE ANNA BELLA GEIGER



CINEMA

LEIA O TEXTO DE MURILO SALLES



DANÇA

LEIA O TEXTO DE ROBERTO PEREIRA



LITERATURA

LEIA O TEXTO DE ADRIANA LISBOA



MÚSICA CLÁSSICA

LEIA O TEXTO DE CLÓVIS MARQUES



MÚSICA POPULAR

LEIA O TEXTO DE LOBÃO



TEATRO

LEIA O TEXTO DE ROSYANE TROTTA



TELEVISÃO

LEIA O TEXTO DE NELSON HOINEFF

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