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FESTIVAL VARILUX DE CINEMA FRANCÊS 2015

15.06.2015
Por Luiz Fernando Gallego
Comentários sobre alguns filmes do Festival que vai até 24 de junho em uma das salas cariocas.

17 de junho

Não há muito o que dizer sobre O que querem as mulheres cujo título original é mais indicativo do que se trata: Sous les joupes des filles (Embaixo das saias das moças). Com roteiro assinado por três mulheres, uma delas também atriz, estreando (muito mal) na direção (Audrey Dana), o filme é um amontoado de situações “femininas”, dos dias de menstruação aos de queda da libido, da busca pelo macho à busca pela experiência lésbica, passando pelos consolos movidos à pilha e chegando à paranoia com o câncer de mama e com o uso da pílula pela filha adolescente. Não falta a esposa que idealizava a monogamia masculina e o casamento para sempre e a amante que não aguenta ser esposa. A condutora de ônibus que sofre uma pancada no lobo frontal, perde a censura para a vida sexual e consegue atrair um astro hollywoodiano com fama de gay enrustido também pretende fazer rir. Mas tudo que é mostrado de forma pretensamente ousada resulta apenas em grotesqueria, lembrando mais uma caricatura antifeminista do que aquilo que talvez tenha sido a intenção das realizadoras deste desastre. Como se não bastasse, tudo termina com uma dancinha tipo flash mob de moças no Trocadero, cena para amantes da Paris mais turística. Lamentável ver Isabelle Adjani como primeiro (e atrativo) nome do elenco só que em papel mais secundário do que o das outras atrizes, todas desperdiçadas, em péssimos desempenhos nessa chanchada indigesta.

15 de junho

Curiosamente, três de outros quatro filmes (bem melhores do que o mencionado acima) que pude assistir no atual Festival Varilux do Cinema Francês (no Rio até dia 24 de junho no cinema Odeon, embora na maioria das salas fique apenas até dia 17) tratam de categorias profissionais. O mais centrado em uma profissão é Hipócrates, de Thomas Lilti, roteirista e cineasta também formado em medicina – e que deve saber do que está falando sobre a medicina francesa. Nada muito diverso do que sofremos por aqui com falta de verbas, infraestrutura e pessoal, mas chega a ser chocante que um dos elementos da trama seja relativo a um aparelho de eletrocardiograma quebrado (sendo um único apenas para todo um hospital geral). Quem assina este texto também trabalhou como médico em hospital público no Rio e por isso achou mais parisiense do que, pelo menos, carioca, a zorra das festinhas dos internos no próprio ambiente hospitalar (e para nós, não seriam “internos”, mas “residentes” porque são médicos já formados; aqui usamos o termo “interno” para sextanistas de Medicina). Assim como as imagens pornográficas explícitas grafitadas nas paredes do refeitório.

No mais, os sofrimentos éticos do personagem central, o recém-formado de 23 anos, Benjamin, e de seu colega argelino mais velho, Abdel, talvez sejam universais. No papel deste último o ótimo Reda Kateb levou um César de melhor ator coadjuvante, mas Vincent Lacoste (que está em outro filme do festival, O Diário de uma Camareira) também aparece muito convincente como jovem “interno” e filho de um chefe de Clínica do mesmo hospital.

Do ponto de vista estritamente cinematográfico, o filme é bem “acadêmico”, mas o roteiro hábil e com temas polêmicos - como reanimar ou não pacientes idosos com doença terminal e os cuidados profissionais pouco minuciosos para pacientes de extratos sociais mais inferiores (como alcoólatras reincidentes, no caso) - pode mobilizar o público, ainda que em direções díspares: havia um clima “favorável” à trama na plateia da sessão em que estive, mas não poucas pessoas saíram da sala de projeção durante alguns procedimentos médicos, como o de punção lombar - embora o filme não seja absolutamente do gênero “exploitation”.

Outro grupo profissional, os policiais, é enfocado no ótimo Na próxima, acerto no coração, a partir de um fato real ocorrido entre 1978 e 1979 na França envolvendo um “gendarme” psicopata e perverso nos dois sentidos da palavra: o de perversidade e o de perversão (masoquista, no caso).

O corporativismo que posterga a investigação dos membros da “gendarmerie” (polícia civil francesa) pode ser destacado como traço marcante de uma classe profissional (e o tema também está presente em Hipócrates). A direção de Cédric Anger é meticulosa em seu tom permanentemente sombrio, ajudado por boa trilha musical de Grégoire Etzel. O desempenho frio de Guillaume Canet é um trunfo importante do filme, tal como já havia sido sua presença no ótimo Os Homens que elas amavam demais (talvez ainda em cartaz no Rio fora do Festival), de André Téchiné, quando fez ótima dupla com Catherine Deneuve, ela também em um de seus melhores papéis recentes.

Deneuve também está muito bem como juíza em corte de menores no interessante De Cabeça Erguida, assinado pela igualmente atriz (premiada em Cannes este ano nesta função) Emanuelle Bercot (que já dirigira Deneuve em Ela Vai). La Tête Haute (título original) pode ter um certo ar “chapa-branca” ao mostrar a dedicação e angústias da juíza e de um “orientador” de menor delinquente (uma espécie de assistente social muito mais proativo do que os que conhecemos no Brasil) encarnado com igual competência por Benoît Magimel. Mas o desempenho que chama mais atenção é do jovem Rod Paradot como um adolescente explosivo sem nenhuma tolerância à frustração, filho de uma mãe amorosa, porém sem-noção e dependente química.

Na sessão em que estive, a plateia fez notar à diretora presente que percebeu algo engrandecedor do trabalho dos profissionais da Justiça de menores francesa. A cineasta assumiu que fez o filme a partir da admiração por um tio que era “orientador” e que o trabalho com menores delinquentes é muito bem feito em seu país, embora a estatística de resultados favoráveis no sentido de afastar os jovens da marginalidade (estatística que ela mesma ofereceu) não seja tão satisfatória. Neste sentido talvez tenha escapado à diretora e co-roteirista aspectos ligados ao distúrbio de personalidade do modo como seu personagem jovem surge na tela. Se a questão social não é absolutamente desprezível, há questões psicológicas que independem de classe social e que limitam os melhores resultados que gostaríamos de obter neste complexo terreno da delinquência juvenil. Mas, afinal, não é uma reportagem nem uma tese, trata-se de um filme bem conduzido - embora tenham cobrado da diretora até mesmo sua opinião sobre maioridade penal (ela disse dezoito anos, mas acrescentou que mais importante é o que se pode fazer com o jovem antes deste ou de qualquer outro limite de idade para punição comum). O suspense sobre os progressos e regressões reincidentes do personagem é hábil para manter o interesse do público em mais um filme correto e sem maiores brilhos formais.

Por fim, o O Diário de uma Camareira, de Benoît Jacquot, também poderia estar falando sobre a classe de empregados domésticos, mas ao se manter fiel à belle époque em que se passa o romance original de Octave Mirbeau limita este possível alcance em termos mais atuais. Benoît Jacquot, um diretor - quando muito - mediano limita-se a uma bela ilustração visual do livro original, não atingindo a personalidade da versão de Luís Buñuel (1964) com Jeanne Moreau que, inclusive, modificou o desfecho do romance - e que foi preservado nesta versão atual.

Existe também uma versão para o mesmo livro, assinada por Jean Renoir, em sua fase americana, mas que, infelizmente, nunca pude assistir, e é muito bem comentada.

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