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BRASÍLIA: CONTRADIÇÕES DE UMA CIDADE NOVA

05.01.2007
Por Carlos Alberto Mattos
BRASÍLIA SEGUNDO JOAQUIM PEDRO

Em sua curta carreira, Joaquim Pedro de Andrade fez sete documentários e sete filmes de ficção. Entre os primeiros, um dos menos conhecidos vem à luz agora, como extra do DVD de Macunaíma. Trata-se de Brasília, Contradições de uma Cidade Nova, feito em 1967 a partir de uma encomenda de dois diretores da Olivetti. Mas, se dependesse do patrocinador, o curta de 22 minutos jamais viria a público.



A primeira metade é uma ode à construção épica de Brasília, ou melhor, às suas intenções originais, explicitadas na narração de Ferreira Gullar. A câmera de Affonso Beato desliza majestosamente por superquadras e interiores de palácios, ao som de Erik Satie. De súbito, o registro muda inteiramente. Joaquim tinha feito parecido em Garrincha, Alegria do Povo: depois da exaltação, vinha o comentário crítico como uma ducha fria. A virada em Brasília consite em passar a palavra a operários e imigrantes em suas casas apinhadas na periferia do Plano Piloto, ou a estudantes despidos de perspectivas numa universidade atingida pela repressão. A câmera passa a ser conduzida na mão, submetida aos solavancos do ônibus de imigrantes, avessa a qualquer esteticismo. A trilha sonora faz um elo com Viramundo, o clássico documentário de Geraldo Sarno (1964) sobre nordestinos no Sudeste.



Seis anos depois de inaugurada, Brasília era já uma cidade marcada pela pobreza, mortalidade infantil, mercado de trabalho reduzido, juventude desencantada. Esta, pelo menos, era a visão de Joaquim e de seu co-roteirista e assistente Jean-Claude Bernardet, ambos presentes em cena conduzindo entrevistas. “A idéia era mostrar que, por melhor que fosse a intenção dos arquitetos e urbanistas, não se poderia praticar urbanismo de mão-cheia num contexto de injustiça social como o brasileiro”, explicou Joaquim a Alex Viany em 1983. O curta conclui com uma frase de grande efeito: “Brasília encarna o conflito básico da arte brasileira: fora do alcance da maioria do povo.”



Bernardet, professor auto-demitido da UnB em 1965, costuma contar a história “secreta” de Brasília, Contradições de uma Cidade Nova. Segundo ele, quando o filme ficou pronto, a direção da Olivetti havia mudado e estava mais preocupada em não constranger o governo. Adveio uma crise na produção. Os negativos desapareceram, restando apenas uma cópia no MAM. Na época, Joaquim procurou Oscar Niemeyer para ajudá-lo, mas o arquiteto não concordava com as previsões sombrias sobre o futuro de Brasília. Ele achava que, passado o regime militar, a cidade cumpriria seu destino de socializar a população, botando ministros e empregados na mesma superquadra, os filhos nos mesmos colégios etc. Niemeyer teria negado a carta de apoio. Mais tarde, reconheceria perante Joaquim que eles tinham razão.





Texto publicado originalmente no DocBlog do Globo Online.





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