O mecanismo do riso, na comédia satírica de Mamoru Hoshi, Escola do Riso (Warai no daigaku), 2004, é desvendado pelo duelo entre dois tipos distintos, igualmente dramáticos: um jovem autor de teatro, Tsubaki (Kôji Yakusho), que procura no humor a sabedoria e o prazer da vida, e um censor do governo, Sakisaka (Goro Inagaki), que não vê no riso a alegria de viver, e mais, ele mesmo nunca ria. Essa raridade vinda do Japão - uma adaptação da peça Warai no daigaku, do dramaturgo cômico Kohki Mitani, inspirado em Sakae Kikuya, dramaturgo cômico assassinado durante a Segunda Guerra após o embate com censores - consagra o riso como a mais social de todas as funções mentais que objetivam a produção do prazer; inclusive participa do desconstrucionismo do cinismo universal, ao desvendar o ridículo no jogo social predominante.
É a comédia das comédias. Filmado na sala de interrogatório do departamento de censura, o duelo entre quatro paredes tem um efeito cômico. Apresenta ao longo de sete dias a revisão e a censura da paródia de inspiração popular, uma versão japonesa de Romeu e Julieta, vetada pelo censor. Aliás, a versão pastelão do clássico de Shakespeare equivale à brasileiríssima chanchada por tratar-se de uma comédia boba destinada apenas a produzir gargalhadas, considerada um espetáculo teatral de pouco ou nenhum valor, apesar de ser de agrado do público do mundo que aplaude e consagra o gênero. Sentado um de frente para o outro, como ainda é no tribunal, estão o dramaturgo compromissado na luta de tornar a peça ainda mais engraçada e o censor encarregado de assegurar o teor patriótico nacionalista do teatro e velar pelos bons costumes.
Em contraste com o censor, o dramaturgo esforça-se em converter suas exigências nos trocadilhos e nas piadas que movem o riso. O censor, atraído pela astúcia do dramaturgo, sempre parece que vai aderir ao seu ponto de vista e chega até a surpreender-se rindo. O espectador, convocado como os integrantes do júri, ouve os argumentos apresentados pelas duas partes em cada julgamento. Como o filme indica, a censura, de um lado, é consciente, e do outro, é inconsciente. Nesse encontro, a peça melhora tanto o teor político social, como o estético. O dramaturgo, longe de ceder ao censor, brincando com as palavras, mobiliza a censura interior, cuja função psíquica é impedir a emergência dos desejos inconscientes na consciência, a não ser de modo disfarçado. A mesma censura permite-lhe travestir os conteúdos dos desejos inconscientes de modo a não serem reconhecíveis pela consciência, utilizando-se dos procedimentos de deformação, o deslocamento e a condensação. Uma mudança de ênfase, por meio do deslocamento, subjaz ao efeito cômico, por exemplo, a frase: “morrer pelo bem da nação”, substituída por “morrer pelo bife da nação”. Tais procedimentos são o trabalho dos chistes, situados por Sigmund Freud em Os chistes e sua relação com o inconsciente, de 1905, como uma das formas de provocar o riso e assim elevados à categoria de formações do inconsciente.
O riso foi motivo de inúmeros tratados pela primeira vez escritos na Antiguidade. Já em pleno século XVI, alguns pensadores combateram a má fama do riso porque lhes parece importante interessar-se seriamente pelo riso. Ora, como já escreve o pensador René Descartes, em As paixões da alma, de 1600, “o riso parece ser um dos principais sinais de alegria”. Sendo que essa alegria está sempre associada ao sentimento de desprezo por alguém, quando não de aversão do ódio. É a característica do riso no tempo da guerra. Nas seqüências do filme, Mamoru Hoshi enquadra a platéia das peças de teatro popular gargalhando, na era Showa, iniciada em 1926, em plena expansão do militarismo e que resultou na participação desastrosa do Japão na Segunda Guerra Mundial. O Japão decepcionante, porque antes havia aquele de que se orgulhar com a tradição militarista, embora autoritária, dos samurais.
Na mudança dos papéis, quando a peça é objeto de uma nova leitura após ser reescrita, o dramaturgo dirige o censor no papel do policial, uma de suas exigências. O que está em jogo é o desmascaramento de pessoas que reivindicam autoridade para liberação das amarras ideológicas que aqueles anos quarenta impuseram. Sucedem-se os chistes que tocam para além das palavras. Subitamente surge um momento de luminosidade. Algo que estava esquecido é despertado, mesmo que, em um primeiro momento, ria-se sem saber do que se está rindo. Tanto que a última exigência do censor é que seja uma comédia sem risadas, devido ao êxito que o riso tem na expressão de um desprezo pelo absurdo humano maior: a guerra.