Uma das lições que os filmes em cartaz neste primeiro semestre de 2007 nos deixam poderia se resumir à força do público feminino e também das personagens em cena. Muitos diretores já perceberam um fato que o Ibope e a Revista Veja Mulher de 2005 constatavam: 75% do público que vai ao teatro e ao cinema é feminino. Nós somos também 80% dos universitários; 60% dos leitores e decidimos 70% das compras – inclusive de carros. É uma estatística que há muito está na cabeça de quem escreve. Em 2000, o diretor de teatro Miguel Falabella declarou: “Sempre escrevi peças para mulheres porque são elas quem decidem o programa dos finais de semana”. Os diretores de cinema também já perceberam isto. Por isto um dos filmes de maior permanência em cartaz no Rio de Janeiro é Um Lugar na Platéia , de Daniele Thompson. Independente de sua viscosidade açucarada, de seus lugares comuns sobre a França e os franceses, nele a garçonete Jéssica (Cécile de France) é uma batalhadora, que sorri diante dos problemas. Muito mais animador que os rapazes de Alpha Dog , de Nick Cassevetes, preocupados em apontar armas uns para os outros. Ou, como mostra a vida real, ocupados em se drogar e espancar empregadas domésticas nos pontos de ônibus.
Têm sido muito cansativo assistir a filmes como Alpha Dog . Em primeiro lugar porque eles se baseiam em fatos reais, os quais vemos todos os dias. Depois, porque – quando são americanos - valorizam a violência de tal forma que é como se dissessem: “vejam o que pode acontecer”. O detalhe é que, para quem é brasileiro, e sobretudo carioca, bem, nós sabemos que aquilo acontece todos os dias! E não agüentamos mais. Percebo que, assim como o resto dos brasileiros, não tenho mais um pingo de tolerância para com a violência. Mas, de uma maneira geral, os americanos estão muito mais acostumados ao uso de armas – no cinema, sobretudo – do que nós. Um bom exemplo foi a nova versão de Shaft , em 2000. Quem conheceu o charmoso detetive dos anos 70 foi ao cinema louco para reencontrar a figura sedutora, esperta, rodeada de mulheres e, logo na cena inicial, deu-se aquele banho de sangue. Samuel L. Jackson não encostou um dedinho em mulher nenhuma. Sedução e sexo são temas muito mais difíceis para Hollywood que apontar uma arma para alguém e gritar um monte de palavrões.
A lista de filmes em que a agressão gratuita é protagonista é bem grande. Para mim ela foi o tema principal do inútil Casino (Scorsese, 1995), mas está no seu devido lugar no maravilhoso Os Infiltrados (do mesmo diretor, 2006). Tem também seu papel em Zodíaco , de David Fincher, ou na série de O Homem Aranha , uma das minhas preferidas e do público também – e por aí vai. Mas um detalhe mais significativo a ser comentado sobre os filmes desde começo de 2007 é como os personagens masculinos estão simbolizando a falência dos bons valores viris. Como lhes falta força de vontade, energia, certeza, honestidade, competência! Em Não Por Acaso , de Philippe Barcinski, Pedro (Rodrigo Santoro) e Ênio (Leonardo Medeiros) têm as vidas mais limitadas e planejadas possíveis – e nem assim conseguem controlá-las. No bobinho Totalmente Apaixonados , de Bart Freundlich, os personagens de David Duchovny – um marido que larga o trabalho para cuidar dos filhos - e Billy Grudup – que não tem apartamento ou emprego fixo - são literalmente chamados de “babacas” por suas esposas, entre outros personagens. Em Baixio das Bestas , de Cláudio Assis, eles, a exemplo dos desocupados de Alpha Dog , agridem, estupram e matam. Nas páginas dos jornais eles são os rapazes que estudam Direito, viajam para a Austrália e covardemente espancam mulheres em grupo. No Senado, são os que defendem a dupla moral de seu presidente. Na Presidência, são como Lula e seu discurso dúbio, prometendo investigar “doa a quem doer” e depois dizendo que a base aliada têm que salvar Renan Calheiros.
Por estas e outras é que filmes sobre mulheres fortes ou simplesmente sobre mulheres que revivem o conto da Cinderela – como Um Lugar na Platéia - terão sempre um imenso público feminino, louco para se espelhar nelas e seguir em frente. De acordo com o que o cinema e a vida andam mostrando, em se tratando de homens, se eles não estiverem se agredindo, estarão se fantasiando. E neste último caso é melhor ir direto para os delírios do Quarteto Fantástico , de Piratas do Caribe ou do Homem Aranha . Pelo menos vestidos de verde e subindo paredes eles encontraram uma saída para esta covarde destruição da responsabilidade pessoal e social.