Artigos


QUEM USA AS CALÇAS?

10.07.2007
Por Maria Silvia Camargo
QUEM USA AS CALÇAS?

Uma das lições que os filmes em cartaz neste primeiro semestre de 2007 nos deixam poderia se resumir à força do público feminino e também das personagens em cena. Muitos diretores já perceberam um fato que o Ibope e a Revista Veja Mulher de 2005 constatavam: 75% do público que vai ao teatro e ao cinema é feminino. Nós somos também 80% dos universitários; 60% dos leitores e decidimos 70% das compras – inclusive de carros. É uma estatística que há muito está na cabeça de quem escreve. Em 2000, o diretor de teatro Miguel Falabella declarou: “Sempre escrevi peças para mulheres porque são elas quem decidem o programa dos finais de semana”. Os diretores de cinema também já perceberam isto. Por isto um dos filmes de maior permanência em cartaz no Rio de Janeiro é Um Lugar na Platéia , de Daniele Thompson. Independente de sua viscosidade açucarada, de seus lugares comuns sobre a França e os franceses, nele a garçonete Jéssica (Cécile de France) é uma batalhadora, que sorri diante dos problemas. Muito mais animador que os rapazes de Alpha Dog , de Nick Cassevetes, preocupados em apontar armas uns para os outros. Ou, como mostra a vida real, ocupados em se drogar e espancar empregadas domésticas nos pontos de ônibus.



Têm sido muito cansativo assistir a filmes como Alpha Dog . Em primeiro lugar porque eles se baseiam em fatos reais, os quais vemos todos os dias. Depois, porque – quando são americanos - valorizam a violência de tal forma que é como se dissessem: “vejam o que pode acontecer”. O detalhe é que, para quem é brasileiro, e sobretudo carioca, bem, nós sabemos que aquilo acontece todos os dias! E não agüentamos mais. Percebo que, assim como o resto dos brasileiros, não tenho mais um pingo de tolerância para com a violência. Mas, de uma maneira geral, os americanos estão muito mais acostumados ao uso de armas – no cinema, sobretudo – do que nós. Um bom exemplo foi a nova versão de Shaft , em 2000. Quem conheceu o charmoso detetive dos anos 70 foi ao cinema louco para reencontrar a figura sedutora, esperta, rodeada de mulheres e, logo na cena inicial, deu-se aquele banho de sangue. Samuel L. Jackson não encostou um dedinho em mulher nenhuma. Sedução e sexo são temas muito mais difíceis para Hollywood que apontar uma arma para alguém e gritar um monte de palavrões.



A lista de filmes em que a agressão gratuita é protagonista é bem grande. Para mim ela foi o tema principal do inútil Casino (Scorsese, 1995), mas está no seu devido lugar no maravilhoso Os Infiltrados (do mesmo diretor, 2006). Tem também seu papel em Zodíaco , de David Fincher, ou na série de O Homem Aranha , uma das minhas preferidas e do público também – e por aí vai. Mas um detalhe mais significativo a ser comentado sobre os filmes desde começo de 2007 é como os personagens masculinos estão simbolizando a falência dos bons valores viris. Como lhes falta força de vontade, energia, certeza, honestidade, competência! Em Não Por Acaso , de Philippe Barcinski, Pedro (Rodrigo Santoro) e Ênio (Leonardo Medeiros) têm as vidas mais limitadas e planejadas possíveis – e nem assim conseguem controlá-las. No bobinho Totalmente Apaixonados , de Bart Freundlich, os personagens de David Duchovny – um marido que larga o trabalho para cuidar dos filhos - e Billy Grudup – que não tem apartamento ou emprego fixo - são literalmente chamados de “babacas” por suas esposas, entre outros personagens. Em Baixio das Bestas , de Cláudio Assis, eles, a exemplo dos desocupados de Alpha Dog , agridem, estupram e matam. Nas páginas dos jornais eles são os rapazes que estudam Direito, viajam para a Austrália e covardemente espancam mulheres em grupo. No Senado, são os que defendem a dupla moral de seu presidente. Na Presidência, são como Lula e seu discurso dúbio, prometendo investigar “doa a quem doer” e depois dizendo que a base aliada têm que salvar Renan Calheiros.



Por estas e outras é que filmes sobre mulheres fortes ou simplesmente sobre mulheres que revivem o conto da Cinderela – como Um Lugar na Platéia - terão sempre um imenso público feminino, louco para se espelhar nelas e seguir em frente. De acordo com o que o cinema e a vida andam mostrando, em se tratando de homens, se eles não estiverem se agredindo, estarão se fantasiando. E neste último caso é melhor ir direto para os delírios do Quarteto Fantástico , de Piratas do Caribe ou do Homem Aranha . Pelo menos vestidos de verde e subindo paredes eles encontraram uma saída para esta covarde destruição da responsabilidade pessoal e social.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário