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STANLEY NELSON E O "LUGAR" DOS NEGROS

27.09.2007
Por Carlos Alberto Mattos
STANLEY NELSON E O "LUGAR" DOS NEGROS

Os cinco filmes da Mostra Stanley Nelson são uma boa introdução ao trabalho do maior documentarista de questões negras nos EUA, do qual só Spike Lee se aproxima. Ao contrário de Lee, porém, Nelson produz basicamente para a televisão. A Firelight Media, empresa sem fins lucrativos que mantém com sua co-roteirista Marcia Smith, dedica-se a produzir representações de camadas da população menos bafejadas pela mídia, especialmente os afro-americanos.



Um dos projetos recentes da empresa, Faces of Change, treinou cinco ativistas em países diferentes para usar o vídeo na discussão de raça e identidade em suas respectivas comunidades. Entre as personagens, há uma adolescente grávida brasileira que defende seu direito de ser mãe.



A luta pelos direitos está na base da maioria dos filmes de Stanley Nelson, 52 anos. Em Marcus Garvey: No Olho do Furacão / Marcus Garvey: Look for Me in the Whirlwind, ele reconta a história do primeiro grande líder negro nos EUA, que entre 1916 e 1922 comandou um movimento que, em lugar de propor a integração dos negros, defendia a organização política e a auto-valorização econômica e social. Nelson não diz isso, mas Garvey foi um predecessor de Malcolm X. Jamaicano de nascimento, ele é retratado em toda sua complexidade: ambicioso, magnetizante e inspirador; mas também egocêntrico, autoritário, péssimo financista, corrupto e megalomaníaco. Seu projeto de “retomar a África para os negros”, nomeando-se “Presidente Provisório da África”, carreou-lhe a hostilidade dos brancos não só nos EUA, como também na Europa colonialista.



Apesar das poucas imagens disponíveis de Garvey, o filme faz um bom e clássico serviço com narrador onisciente, depoimentos de ex-seguidores e historiadores, material de arquivo, vinhetas dramatizadas e leitura de textos de Garvey. Ou seja, o bom e velho doc da TV pública estadunidense que não deixa lacunas por preencher.



A idéia de ter “um lugar” para os afro-americanos vai repercutir no filme mais pessoal de Stanley Nelson, Um Lugar Só Nosso / A Place of Our Own. Aqui o próprio diretor é o guia de um passeio pelas memórias de Oak Bluffs, um balneário freqüentado por negros na Nova Inglaterra. Nos anos 1950, a família de Nelson, de alta classe média, tinha uma bela casa de veraneio em frente à praia. As férias eram consumidas em festas, banhos de mar e lazer chique. As imagens de época evocam o charme e o desejo de exibir status como forma de superação do preconceito.



O coletivo é uma moldura para Nelson examinar o microcosmo de sua família. No filme, ele retorna a Oak Bluffs um ano depois da morte da mãe. Convida o pai para passar as férias com ele, tentando reatar uma relação rompida há décadas, desde que seus pais se divorciaram e o velho deixou a família. Nelson cumpre sua dupla agenda com sobriedade e propriedade. Oak Bluffs, que havia sido o cenário de sua primeira tomada de consciência racial, abriga agora um balanço de vida e uma experiência de recomposição familiar. O “lugar só nosso”, bem de acordo com a tradição dos EUA, pode ser traduzido por uma palavra curta: lar.



Enquanto Stanley Nelson curtia suas férias de garoto na Nova Inglaterra, no Mississippi o appartheid e os linchamentos de negros faziam a maior vergonha da nação. É sobre o caso mais célebre do período que se debruça O Assassinato de Emmet Till, um dos docs mais premiados do diretor. Emmett era um garoto negro de 14 anos em 1955. Criado em Chicago, voltou ao vilarejo de Money, no Mississippi, e ousou desafiar um tabu local: assobiou galantemente para uma mulher branca. Três dias depois, seu corpo apareceu horrivelmente desfigurado num trecho do rio. O marido e o cunhado da mulher foram acusados e levados ao tribunal. Contra todas as evidências e o corajoso depoimento de uma testemunha ocular, os assassinos foram inocentados por um júri all-white.



O episódio provocou indignação nacional e foi o estopim do movimento pelos direitos civis dos negros nos EUA. Stanley Nelson orgulha-se por seu filme ter ocasionado a recente reabertura do processo.



Em mais um doc de estrutura clássica, destaca-se aqui o magnífico trabalho com os materiais de arquivo. Filmes e fotos, potencializados dramaticamente, garantem uma continuidade narrativa sem fissuras, de tal forma que parecem ter sido concebidos para o filme, e não o contrário. As lembranças da mãe de Emmett Till, ainda viva na época da produção, também conferem um pathos extraordinário ao relato.



Ainda não vi A Imprensa Negra Americana: Um Combate sem Tréguas / The Black Press: Soldiers Without Swords. Mas já posso afirmar que toda a excelência de Stanley Nelson dentro das convenções do documentário parece ter convergido, finalmente, para a obra-prima Jonestown: Vida e Morte no Templo do Povo, de que tratei numa resenha do ano passado.



O Festival do Rio publicou um bom material informativo sobre Nelson e seus filmes.
">Veja aqui.




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