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LEON HIRSZMAN EM DVD

23.12.2007
Por Carlos Alberto Mattos
ELES NÃO USAM BLACK-TIE / ABC DA GREVE / DEIXA QUE EU FALO

Em vida, Leon Hirszman (1937-1987) falou muito, e bem. Nos filmes, falou pelo povo (Pedreira de São Diogo), calou-se para dar voz ao povo (Maioria Absoluta, Nelson Cavaquinho, Partido Alto) e tentou falar para o povo (Garota de Ipanema). Ou seja, cobriu todas as facetas do compromisso com um cinema nacional-popular.



Fora dos filmes, Leon não perdia uma chance de verbalizar suas idéias sobre a aliança indissolúvel entre cinema e política, ligar o micro ao macro, a arte e o seu fazer. Sua atuação no debate da cultura brasileira dos anos 1960 a 80, assim como na organização da classe cinematográfica, foi de ponta. Tanto que, há 12 anos, quando o CCBB-Rio promoveu a retrospectiva Leon de Ouro, Carlos Augusto Calil e Arnaldo Lourençato organizaram um volume de textos e depoimentos de Hirszman que, bem a propósito, ganhou o título de É Bom Falar.



Para aquele mesmo evento, Eduardo Escorel realizou um vídeo de 18 minutos a partir de depoimentos de Leon. Acredito que naquela pequena experiência estava a semente do doc de longa-metragem que Escorel apresenta agora, como extra do primeiro pacote de “Hirszman restaurado” que a Videofilmes está lançando em DVD.



Deixa que eu Falo traz a marca do rigor e do comedimento dos trabalhos de Escorel. Ele e Leon foram amigos e parceiros durante muitos anos, mas o filme não exibe essa proximidade como um trunfo. A relação entre os dois pode ser medida não pelo que está no doc, mas por essa anotação de Escorel a que tive acesso:



“Montei Nelson Cavaquinho, São Bernardo e Eles não usam black-tie, além de ter participado, como técnico de som, de algumas outras filmagens feitas por Leon. Creio que o fato de ter montado Terra em transe, em 1966, influiu para que Leon me chamasse para trabalhar com ele. Recusei o convite para montar Garota de Ipanema mas ele não ficou magoado com isso e voltou a me chamar quando fez Nelson Cavaquinho. Sendo um temperamento obsessivo, o que talvez seja condição necessária para fazer filmes, ele atuava na montagem como todo bom diretor/autor. Estava sempre presente, atento, interessado. Planejava os filmes de tal forma que, tanto na filmagem quanto na montagem, não havia, na verdade, grandes alterações a fazer.”



Deixa que eu Falo começa pelo fim: o último plano filmado por Leon, de um longo depoimento da Dra. Nise da Silveira, de quem havia se tornado grande amigo desde a produção de Imagens do Inconsciente. Esse não é o único material que aparece aqui pela primeira vez. Há também trechos inéditos da passeata dos petroleiros rumo ao comício de 13 de março de 1964 na Central do Brasil (quando Escorel estava no posto de técnico de som). Vemos – enfim! –, cenas da mítica filmagem dos tropicalistas baianos em 1971, janela discreta para a paixonite que Leon curtia por Gal Costa na época. E ainda muitas e ótimas fotos de bastidores de filmagens.



Mas a precedência é da voz de Leon, seu discurso articulado, o tom conciliador mas firme com que analisava o quadro cultural e político do país. Parte desse áudio provém de uma célebre entrevista concedida a Alex Viany em 1983 e já transcrita no livro O Processo do Cinema Novo (Ed. Aeroplano, 1999). Parte vem de entrevistas e falas diversas a redes de TV e amigos cineastas. Não há depoimentos alheios nem qualquer tipo de narração. “Ninguém vai se apropriar da imagem ou do áudio em nome do Leon. Deixa que ele fala”, anunciava Escorel desde o início desse projeto.



A bem da verdade, além de Leon falam os seus personagens, em cenas-chave da filmografia. Escorel constrói “pontes” interessantes, evidenciando, por exemplo, a gênese da temática operária numa sessão de O Ferroviário, de Pietro Germi, na Cinemateca do MAM em fins dos anos 1950, que vai ecoar em Pedreira de São Diogo e mais tarde em Eles Não Usam Black-tie. A semelhança entre Chaplin e a figura do pai de Leon quando jovem cria outra leitura curiosa dos anos de formação do cineasta. Em outro momento, uma sucessão de imagens de mulheres em diversos filmes conduz ao fechamento do círculo com a Dra. Nise, nova figura de mãe em cujo “colo” Leon vai concluir sua carreira. Mesmo sem forçar relações, existe na montagem uma intenção de criar linhas de sentido biográfico para além da mera cronologia de fatos e filmes.



A restauração da obra de Leon Hirszman está sendo feita em São Paulo, sob curadoria de Calil, com supervisão de Eduardo (som) e Lauro Escorel Filho (imagem). Nesse primeiro box, a ser lançado festivamente no próximo dia 29, no Unibanco Arteplex do Rio, chegam três filmes de temática operária: Pedreira de São Diogo, ABC da Greve e Eles Não Usam Black-tie. Entre os extras, uma série de depoimentos, os curtas de tema macro Ecologia e Megalópolis, além de Deixa que Eu Falo. Na caixa, ainda, um livreto contendo textos e entrevistas sobre os filmes, e a filmografia completa de Leon.



No ano que vem, será lançado o restante da obra do autor. Sua voz, portanto, ainda vai repercutir um bocado nessa época em que, aparentemente, o cinema foi para um lado e a política para outro.



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