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Wyler, Lubitsch e Sirk: raridades em DVDs

04.02.2024
Por Luiz Fernando Gallego
Filmes famosos e outros desconhecidos de grandes nomes do cinema clássico estadunidense entre 1929 e 1959

Um dos mais recentes lançamentos da Versátil Home Vídeo, o pacote “Clássicos de Hollywood”, traz dois exemplares da série “Arte de...” - um para Ernst Lubitsch e outro para William Wyler - além de uma caixa da série “O Cinema de...” para Douglas Sirk. Em todos, raridades são trunfos especiais de interesse para cinéfilos.

No box de Wyler, por exemplo, temos três filmes que nunca haviam saído em mídia física no Brasil. “O Trapaceiro”, de 1929, ainda do período silencioso, teve em sua época boa repercussão na imprensa e na bilheteria, propiciando que a Universal Pictures, que o tinha sob contrato, lhe entregasse projetos mais ambiciosos. Foi assim que ele começou a poder mostrar a que vinha no western dramático “Hell’s Heroes” (Os Três Padrinhos) e no melodrama da era pré-código de censura (1931) que não poderia ter sido feito pouco tempo depois, já que abordava pai e filho disputando a mesma mulher, “A House Divided”. Na verdade, este filme era um veículo para o ator Walter Huston (pai do futuro diretor John Huston) e o impacto em seu tempo deve ter favorecido a escolha de Wyler para dirigir outro (talvez o maior) ‘monstro sagrado’ do teatro norte-americano na época, John Barrymore, o mais admirado (e considerado ‘difícil’) membro de um famoso clã de atores que chega até nossos dias através da atriz Drew Barrymore.

Trata-se do segundo filme da caixa que nunca tivemos em DVD nacional, “O Conselheiro”, de 1933, o mais importante destes inéditos, pois tem características que frequentemente vão aparecer em muitas obras posteriores do diretor: é uma adaptação de peça teatral em que tudo se passa em um mesmo ambiente fechado, um importante escritório de advocacia. Wyler conseguiu driblar as sugestões dos caciques da Universal (que eram seus parentes distantes) no sentido de que inventasse cenas passadas fora do escritório. Aos poucos vai se revelando sua enorme habilidade ao fazer Cinema em vez de mero “teatro filmado”, mesmo tendo que apresentar nas primeiras cenas os muitos personagens do enredo. Mas logo a câmera incessante entre as várias salas do grande escritório (um cenário algo labiríntico) e as situações cômico-dramáticas vão sedimentando o interesse.

Fica claro que se trata de um filme da época da “grande depressão” pela menção a um empresário se jogando pela janela (como dizem ter acontecido aos montes quando da quebra da bolsa em ’29) e a movimentos de cunho socialista. Um dos clientes que o grande advogado vivido por J. Barrymore atende não pertence à fauna ‘high-society’ que pode pagar seus elevadíssimos honorários: ele defende de graça um rapaz que foi preso por agitação esquerdista, oriundo do mesmo bairro pobre onde o - hoje famoso e rico homem de leis - cresceu.

Wyler dizia que, caso seus filmes, além de entreter, pudessem tratar de situações sociais do momento, isto lhe dava mais satisfação. E “O Conselheiro” é dos primeiros na linhagem de obras que tocam em problemas sociais - como “Beco sem saída” (lançado pela Versátil na caixa “Noir-Humphrey Bogart”), “Pérfida”, “Chaga de Fogo” e outros mais.

O terceiro filme inédito em DVD desta caixa é “A Boa Fada”, uma comédia um tanto nonsense, escapista, típica para amenizar a época da depressão econômica em curso. Também era veículo para uma estrela famosa na época, Maragaret Sullavan (com quem Wyler casou – mas por pouco tempo).

Após este filme, ele encerrou seu contrato com a Universal, o que, de certa forma, favoreceu um novo contrato, agora com a produtora - na época mais sofisticada do que a Universal - de Samuel Goldwyn, para quem ele faria em torno de uma dezena de filmes até 1946 - quando encerrou uma “segunda fase” de sua carreira com aquele que é, para muitos, sua maior obra-prima, “Os Melhores Anos de Nossas Vidas” – atração maior da caixa, agora em cópia restaurada, com alguns extras, incluindo uma apresentação do curador da Versátil, Fernando Brito. A temática social também se faz presente na abordagem de três ex-combatentes da II Guerra com dificuldade de readaptação à vida civil. Honrado com prêmios e enorme sucesso de público e crítica, em um par de anos este filme seria questionado pela direita americana por ter críticas sociais aos Estados Unidos, criando alguns problemas para Wyler na época do MacCarthysmo e sua paranoia de encontrar “atividade anti-americanas” em tudo que Hollywood produzia.

Um documentário de quase uma hora sobre os filmes mais famosos de Wyler - e cuja base é uma entrevista que ele deu à sua filha mais velha três dias antes de morrer - pode ajudar o público a relembrar (ou saber) de alguns de seus filmes, já que ele passeou por diversos gêneros entre 1929 e 1970 - o que serviu como clichê durante muito tempo como um fraco argumento quanto à característica supostamente “não-autoral” de sua obra, o que fica claro que não tem nenhuma pertinência, que mais não seja, a partir da análise feita por Gabriel Miller em seu livro de 2013, “William Wyler, the Life and Filmes of Hollywood’s Most Celebrated Director”.

A outra caixa com raridades muito interessantes é a de Lubitsch, com um raro drama em sua fase de filmes sonoros, repleta de comédias maravilhosas: “Não Matarás”, de 1932, serviu de base para o recente filme de François Ozon, “Fritz”. A última comédia que Lubitsch dirigiu totalmente antes de morrer precocemente aos 55 anos também se faz presente, “O Pecado de Cluny Brown”, de 1946. Estes dois filmes também estavam inéditos em DVD no Brasil. Duas comédias silenciosas completam as raridades desta caixa que ainda traz a mais conhecida “O Diabo disse não”, de ’43. Extras com entrevistas e análises de dois dos longas sonoros fazem deste produto outra aquisição imperdível.

Por fim, a série “O Cinema de...” caracteriza-se por trazer três discos de DVDs, portanto traz mais filmes do que os produtos “A Arte de” (que trazem dois discos). Na caixa de Douglas Sirk, as raridades são dois filmes de sua fase alemã, “Nona Sinfonia” e “Recomeçar a Vida” (1936 e ’37, respectivamente). Também temos aqui “Vidocq”, de 1946, da fase americana, mas anterior à dos famosos melodramas dos anos 1950, dos quais “Palavras ao Vento” (’56), em cópia restaurada, faz parte do pacote – e com extras a respeito. “Imitação da Vida” (’59), também desta fase, se faz presente, acompanhado da versão de 1934, dirigida por John M. Stahl.

Por fim, um livreto, “Clássicos de Hollywood – obras-primas essenciais” traz ensaios sobre 13 filmes clássicos americanos que a Versátil lançou, sendo que os dois melodramas de Sirk dos anos 1950, “O Diabo disse não”, de Lubitsch e “Os Melhores Anos de Nossas Vidas, de Wyler, são alguns dos filmes comentados nesta publicação. Pacote imperdível.

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